Em julho de 2010, o presidente Lula encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.672/2010, que “Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante“.
Em 14 de dezembro último, esse projeto foi aprovado em comissão especial criada para analisá-lo. A matéria tramita em caráter conclusivo, na Câmara dos Deputados, o que significa que, se não houver recurso para que seja apreciado em plenário, seguirá para o Senado Federal.
Transcrevo, a seguir, parte de uma entrevista concedida por Carlos Zuma, da secretaria executiva da rede Não Bata, Eduque ao Jornal Zero Hora de Porto Alegre, publicada em 1/10/2011, que nos ajuda a compreender a motivação de tal projeto[1].
Zero Hora – O país está atrasado em relação aos castigos corporais?Carlos Zuma – Sim. Está arraigada no Brasil a ideia de que o pai pode bater. A gente vê isso até em novela. Como signatário da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o país tem obrigação de proibir os castigos corporais. Mas não é só a lei que muda a cultura, tem de mostrar formas positivas de educar.ZH – Que formas seriam essas?Zuma – Os pais têm obrigação de educar e disciplinar, mas confundem educação com castigo físico. Eles dizem que batem porque não querem que o filho se transforme em bandido. Queremos mostrar que existem métodos de educar sem necessitar do castigo corporal. Propomos uma educação na qual se explica à criança o que pode e o que não pode. Em última instância, recorre-se a castigos que não sejam físicos e que não humilhem, como deixar a criança cinco minutos no corredor da casa.
Bem, eu também não aceito a violência contra a criança. Acho inaceitável qualquer violência contra quem quer que seja. Até mesmo contra animais ou presidiários (precisamos de um Código de Proteção do Presidiário – CPP). Mas, se Zuma acha que muitos pais confundem educação com castigo físico, não deve confundir palmada com tortura, violência, crueldade ou degradação.
Para não estender demais este texto, discutindo o que é e o que não é violência, vou me ater apenas à “última instância” do entrevistado: “cinco minutos no corredor da casa”. Imaginem a cena. Meu filho tem oito anos.
Meu filho, largue esse video game; você precisa fazer o dever da escola (evito a expressão “dever de casa”, pois algum vizinho atento pode interpretá-la como “trabalho infantil”, inafiançável). E ele continua a jogar. Meu filho, largue esse jogo e vá estudar. E ele continua entretido com o jogo.
O que eu faço agora? Ah, sim, o especialista me ensina: coloco-o de castigo, no corredor da casa, por cinco minutos. E digo (isso já é criatividade minha): se fizer de novo, serão seis minutos.
Mas eu viro as costas e ouço o som do video game. Ele não se preocupa em abaixar o som (pois não teme ser pego). E eu digo: não pode, você está de castigo. E ele responde com silêncio (está entretido com o joguinho). Então, eu vou e desligo o aparelho. E digo: agora, são seis minutos. Já para o corredor da casa!
Viro as costas e ele está jogando. Aí, fico muito frustrado e digo, com voz doce e paternal (para evitar ser denunciado por “tratamento cruel ou degradante”), que ele é desobediente (eu ia levantar o dedo, mas me contenho a tempo). Ele continua jogando, indiferente à minha civilizada pedagogia.
(Espero não estar exagerando nesta história, e alguém vir me dizer que nunca na história deste país aconteceu uma cena assim).
Bem, encurtando a história, peço licença para desligar e guardar o video game e ele não deixa. Coloca-se em guarda, disposto a me enfrentar (aprendeu isso na televisão, em filmes nos quais crianças espertas enfrentam e zombam de adultos idiotas). Mas ele tem só oito anos. Então, o que eu faço? Se eu usar um pouquinho de força, mesmo sem ser tocado, ele cairá no chão, gritando e rolando, como o Neymar, quando falha o drible. E os vizinhos, que não viram o lance, pensarão que mereço um cartão vermelho, e tratarão de pressionar o juiz.
Como lidar com uma situação assim?
Imagino o que o “psicólogo governamental” (aquele que sabe educar os filhos) diria: hum, precisamos estar sabendo como as coisas chegaram a este ponto. Esse pai, provavelmente, tem problema de baixa auto-estima. Vamos estar agendando uma entrevista com um de nossos psicólogos para que possamos estar ajudando-o a ser um bom pai. Deixe ver, hum… Que tal para fevereiro de 2017? É a próxima vaga em nossa agenda… Mas enquanto isso, vamos estar retirando a guarda desse pai, e recolhendo o menino a uma de nossas excelentes instituições. Lá ele será bem cuidado.
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