Revista Veja condenada por chamar esquerdista de esquerdista
A condenação da revista “Veja”, em uma ação por danos morais movida por um professor gaúcho, pode significar uma espécie de “controle social” da imprensa por parte do próprio Judiciário
“O
genuíno docente coibir-se-á de forçar, do alto da cátedra, a qualquer tomada
de posição, quer de modo expresso, quer por sugestão – pois esta seria, sem
dúvida, a forma mais desleal.”
de posição, quer de modo expresso, quer por sugestão – pois esta seria, sem
dúvida, a forma mais desleal.”
Max Weber, “A Ciência como Vocação”
José
Maria e Silva
Era uma vez um humilde professor
que sonhava com um mundo melhor e dividia esse sonho com todos os seus alunos.
Quando entrava na sala de aula, ele se transformava inteiramente e, brandindo o
giz diante da lousa, punha-se a descrever o trágico painel da história humana,
mostrando que, ao longo dos séculos, os humildes nem sempre tiveram consolo, os
mansos foram massacrados nas guerras e os muitos que têm fome e sede de justiça
tornaram-se ainda mais sedentos e esfomeados devido à ganância e à crueldade de
uns poucos.
Esse conto de fadas – relatado com
deleite nas redes sociais de esquerda – inspira-se num fato real. A Editora
Abril, que publica a revista “Veja”, e as jornalistas Mônica Weinberg e Camila
Pereira foram condenadas pela 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul a pagar uma indenização de R$ 80 mil – com juros e correção – ao
professor Paulo Sérgio Fioravanti Jardim, que leciona história no Colégio
Anchieta, um dos mais tradicionais de Porto Alegre. Para a Justiça, a
reportagem “Prontos para o século XIX”, publicada por “Veja” em 20 de agosto de
2008, apresentou fatos “descontextualizados e distorcidos” ao mostrar o
professor gaúcho como um exemplo de professor que quer “esquerdizar a cabeça
das crianças”.
A condenação de “Veja” em primeira
instância se deu em 31 de outubro do ano passado, em decisão da juíza Laura de
Borba Maciel Fleck, da 13ª Vara Cível do Fórum Central de Porto Alegre. Além de
ter que indenizar o professor, a revista também foi condenada a publicar a
sentença. Mas não só a Editora Abril recorreu da decisão – também o professor
Paulo Fioravanti não ficou satisfeito com a vitória obtida e bateu às portas do
tribunal na tentativa de aumentar o valor de sua indenização, alegando que
“Veja” é lida por cerca de 1 milhão de pessoas, o que justificaria o aumento. A
corte gaúcha, em decisão publicada no início deste mês, manteve a mesma decisão
de primeira instância.
Resposta do professor
A condenação da Editora Abril se
sustenta no entendimento da juíza de que a inserção do professor na reportagem
de “Veja” ocorreu sem levar em conta o contexto. Eis o que afirma a magistrada:
“A informação buscada foi distorcida e manipulada, sendo colocada na reportagem
de forma descontextualizada, objetivando unicamente corroborar a ideia lançada
da ‘esquerdização do ensino’ que também seria praticada pelo demandante. A
revista está pressupondo que os pais são omissos e não sabem o que os filhos
estão aprendendo na escola. Da mesma forma, a publicação é agressiva ao afirmar
que os professores levam mais a sério a doutrinação esquerdista do que o ensino
das matérias em classe, induzindo o leitor a entender que o autor deve ser
incluído como este tipo de profissional”.
Entretanto, o próprio professor,
numa carta publicada na revista “Veja”, em 27 de agosto de 2008, faz críticas
à revista e afirma: “A reportagem apresentou uma situação de uma aula minha no
mínimo duvidosa. Um debate em uma turma de 5ª série foi descrito pela revista
como um ‘jogral’, o que é bastante depreciativo, para não dizer outra coisa.
Ora, a discussão era sobre o aumento da violência e sua relação com o
desemprego. Nesse sentido, parece-me óbvio que a modernidade tecnológica
colocou à margem do mundo do trabalho um grande número de pessoas que não
estavam preparadas para enfrentar essa nova realidade. O que foi colocado aos
alunos por mim tinha o objetivo de fazê-los questionar, caso fossem filhos de
pais empresários, qual a contribuição desses pais no sentido de qualificar seus
empregados para enfrentar essa nova realidade. Os alunos não levaram essa
pergunta como tema de casa, obrigatoriamente. Foi apenas um debate em sala de
aula”.
Releiam, por favor, o último trecho
da carta do mestre. É quase uma confissão de culpa. Alunos de 5ª série têm 11
anos. Numa escola privada de elite podem ter até menos. É correto uma criança
nessa idade ser desafiada a questionar a conduta profissional ou empresarial de
seus pais? Os livros didáticos costumam ser cruéis com os patrões da Revolução
Industrial.
Inclusive em charges, que ressaltam
sua maldade monstruosa oprimindo miseráveis trabalhadores. Desafiar uma criança
a inserir nesse contexto o pai empresário é uma roleta russa ética. Um
professor, na reunião de pais e mestres, pode e até deve (se for possível)
dizer verdades indesejáveis à família do aluno, mas jamais deve terceirizar
essa missão para a própria criança. Os advogados de “Veja” deviam ter evocado o
Estatuto da Criança e do Adolescente em defesa da revista.
Ídolos de esquerda
Será que “Veja” foi mesmo agressiva
ao afirmar que os professores priorizam a pregação de esquerda em detrimento do
ensino? Os fatos arrolados por aquela histórica reportagem de 12 páginas –
corroborada por uma pesquisa da CNT/Sensus, encomendada pela revista –
comprovam que não. Para 50% dos próprios docentes ouvidos na pesquisa, o
discurso do professor em sala de aula é “politicamente engajado”. Para 30% é
“às vezes engajado”. Apenas 20% responderam que é neutro.
Também pudera: perguntados sobre
qual a missão da escola, 78% dos docentes responderam “formar cidadãos” contra
apenas 8% que disseram “ensinar matérias”. E os dois principais ídolos dos
professores são Paulo Freire (29%) e seu mestre Marx (10%), este último
empatado com Gandhi.
A pesquisa também ouviu os
estudantes sobre figuras históricas e atuais mais citadas nas aulas e qual o
contexto (positivo, negativo ou neutro) em que ocorreu a citação. Che Guevara é
o campeão de citações: 86% positivas, 14% neutras – nenhuma negativa. Um santo!
Lênin não chega à santidade, mas goza de uma tranquila beatitude em sala de
aula, com 65% de citações positivas, 26% neutras e apenas 9% negativas. É como
se Lênin não tivesse no currículo a invenção dos campos de concentração
(copiados posteriormente por Hitler) e o terror em massa, com mortes
estabelecidas por cotas para cada região da União Soviética. Se os fatos cruéis
perpetrados por Che e Lênin fossem relatados nos livros didáticos e comentados
nas salas de aula, os dois estariam com Hitler dividindo o inferno no
imaginário dos alunos.
“Veja” também analisou os 130
livros e apostilas de história, geografia e português mais adotados em 2 mil
escolas privadas do país. E constatou que cerca de 75% desse material didático
trazia informações distorcidas por “miopias ideológicas” ou erros factuais,
isso quando os dois tipos de problema não se acumulavam numa mesma obra. “Essas
falhas atrapalham a compreensão lógica do mundo real e inculcam nos alunos uma
visão hostil à economia de mercado e simpática ao comunismo, ideologia do
século XIX, testada e reprovada na prática no século XX, e que no século XXI
sobrevive apenas na Coreia do Norte, em Cuba e em salas de aula de escolas
brasileiras” – sustenta a reportagem, antes de mostrar e criticar dezenas de
trechos das obras em que fica evidente a doutrinação esquerdista.
Hegemonia de Foucault
Não me lembro de nenhuma
publicação, nem mesmo acadêmica, que tenha feito um rastreamento ideológico de
obras didáticas com a abrangência com que “Veja” fez naquela histórica
reportagem publicada há quase cinco anos. Estudos acadêmicos do gênero jamais
se voltam para a análise da ideologia esquerdista embutida no material escolar
– sua obsessão é denunciar os demônios da imaginação politicamente correta de
sempre, como homofobia, racismo e neoliberalismo. Talvez o único erro da
reportagem de “Veja” tenha sido “fulanizar” esse excelente trabalho de investigação
pondo a foto dos dois professores que tiveram suas aulas analisadas: o gaúcho
Paulo Sérgio Fioravanti Jardim, do Colégio Anchieta, e o goiano Marcio Santos,
do Colégio Ateneu Dom Bosco.
Os docentes da escola básica
costumam ser apenas aviõezinhos do tráfico ideológico – os laboratórios da
droga comunista são as universidades. Para se ter uma ideia do comprometimento
ideológico do ensino superior no Brasil, basta uma ligeira análise da base de
dados oficial que reúne as teses e dissertações defendidas nas universidades
brasileiras. Nesse acervo, é possível comparar a influência dos três grandes
clássicos da sociologia nas pesquisas acadêmicas atuais: Marx desponta em
primeiro lugar, com 649 referências; Max Weber vem muito atrás com 109; e o
grande Émile Durkheim, fundador da sociológica acadêmica, aparece com apenas 66
referências. Para efeito de comparação, o filósofo liberal Adam Smith, autor do
clássico “A Riqueza das Nações”, tem apenas 24 referências nessa base de
dados.
Mas a influência da ideologia de
esquerda na educação brasileira vai muito além. Com a queda do Muro de Berlim e
o fim da União Soviética, muitos acadêmicos marxistas passaram a disfarçar sua
ideologia de esquerda por meio de substitutivos. Por isso, se forem
contabilizados os muitos discípulos modernos de Marx presentes nas teses e
dissertações defendidas nas universidades brasileiras, o esquerdismo há de se
revelar praticamente totalitário. Apenas como amostragem, basta observar a
influência nos mestrados e doutorados de três pensadores contemporâneos que têm
como matriz a obra marxista: Michel Foucault – hoje hegemônico na educação, na
psicologia e no direito – aparece com 839 referências no banco nacional de
teses e dissertações; o pedagogo Paulo Freire, comparece com 676; e o sociólogo
Pierre Bourdieu, com 437.
Uma tese sobre a Era Vargas
Mas caso se contextualize ainda
mais a reportagem de “Veja”, como quer a Justiça que a condenou, o que salta
aos olhos é que o próprio professor Paulo Fioravanti não escapou à doutrinação
marxista que grassa no ensino superior. É o que fica claro em sua dissertação
de mestrado “Vozes e Notícias da Rua de Porto Alegre do Início dos Anos 50”,
defendida em 2005 – três anos antes da reportagem – na PUC do Rio Grande do
Sul. Nesse trabalho, ele conta que decidiu estudar a Era Vargas como forma de
entender as privatizações das empresas estatais no governo Fernando Henrique
Cardoso. “Aquelas empresas que, habitualmente, pronuncio em sala de aula – sou
professor de História –, agora voltavam à tona em notícias e debates de
jornais, na televisão e no rádio”, diz.
Como se vê, Fioravanti considera
natural um professor de história falar “habitualmente” de empresas em sala de
aula, como se esse presente efêmero, cambiante, do qual só se conhece a
superfície que sai na imprensa, pudesse ser mais crucial para o aluno em
formação do que a compreensão dos grandes eventos históricos do passado. É
certo que o presente de todo historiador influencia o seu olhar sobre o passado
que estuda, mas fazer disso uma profissão de fé é render-se à própria
subjetividade, sacrificando o necessário distanciamento do objeto de pesquisa e
fazendo justamente o contrário do que deve fazer um cientista. É essa falta de
distanciamento crítico que faz o professor, em sua dissertação de mestrado,
chamar as privatizações de “perda de soberania” e “desmonte da res publica”,
indagando se não seria preciso convocar plebiscitos para decidir sobre a
privatização das estatais.
Mas
se essa linguagem ainda é insuficiente para caracterizar o professor Paulo
Fioravanti como “esquerdista”, como afirmou “Veja”, o mesmo não se pode dizer
deste trecho de sua tese, em que ele cita a crítica de um acadêmico às
privatizações: “Conforme o sociólogo Ricardo Antunes, ‘aí estamos nós com um
país sem telefonia, sem energia, sem siderurgia, sem telecomunicações próprias,
completamente dependente de tecnologia e de capital forâneos’”. Pasmem: essa
afirmação do notório marxista Ricardo Antunes, professor da Unicamp e militante
do PSol, foi dada à revista de esquerda “Caros Amigos”, em agosto de 2004,
quando a plena democratização da telefonia no País já era um fato
incontestável, impossível de obscurecer, salvo pela mais completa cegueira
ideológica. Alguém que cita como autoridade intelectual um militante do PSol não
pode se queixar se alguém o chama de esquerdista.
Livre expressão em risco
Para
a Justiça, “Veja” errou ao caracterizar o professor como esquerdista. Em sua
decisão, a juíza afirmou: “Tenho que o conteúdo da matéria jornalística, além
de ácido, áspero e duro, evidencia a prática ilícita contra a honra subjetiva
do ofendido”. Notem que ela classifica o próprio conteúdo e não somente o tom
como “ácido, áspero e duro”, o que revela, mais do que uma análise jurídica,
uma discordância ideológica. E a magistrada vai além, afirmando, textualmente o
que se segue, no trecho mais infeliz da sentença: “A reportagem, a partir do
momento que qualifica o autor como esquerdista, com viés, de resto, pejorativo,
sem a autorização do demandante, extrapola os limites da liberdade de imprensa”
(grifo meu).
Observem
que a juíza condena veementemente o fato de que “Veja” chamou o professor de
“esquerdista” sem a sua autorização. Se esse entendimento se tornar
jurisprudência (e corre-se esse risco, uma vez que foi referendado pela Corte),
será a morte definitiva da liberdade de expressão no País. Não mais será
possível a crítica intelectual, o confronto de ideias, nada. Toda vez que um
articulista resolver chamar a filósofa Marilena Chauí de “esquerdista” terá
antes de ligar para a USP e pedir autorização para ela própria, sob pena de ser
condenado pela Justiça. Se o Judiciário brasileiro, cada vez mais canhoto,
adotar mesmo essa jurisprudência, espero que ela não seja de mão única e quando
um Olavo de Carvalho, um Reinaldo Azevedo, um Silas Malafaia ou eu mesmo formos
chamados de “direitistas” e “homofóbicos”, sem nossa prévia autorização, que
também sejamos indenizados.
Infelizmente, o momento não é de se
fazer graça. Há um cerco à liberdade de expressão no Brasil. Talvez seja preciso
contextualizar não só a aula do professor gaúcho (como já fiz, citando seu
mestrado), mas também a própria decisão que lhe foi favorável. A juíza abre sua
sentença de dez páginas com a seguinte epígrafe: “Ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua
construção”. E quem é o autor dessa frase que realça o argumento central da
sentença a ponto de lhe servir de epígrafe? Pasmem: ninguém menos do que Paulo
Freire, um pedagogo assumidamente marxista, citado na própria reportagem que
critica a esquerdização do ensino e que estava sendo objeto do julgamento. É
como se um magistrado, ao julgar uma ação civil pública em defesa do Estado
laico, negasse a retirada dos crucifixos das repartições citando em epígrafe
uma encíclica papal.
Controle social da mídia
Em sua sentença, a juíza começa
fazendo uma douta reflexão sobre os possíveis conflitos entre os direitos
fundamentais previstos na Constituição de 88 e observa que, o artigo 5º da
Carta, em seu inciso XIV, assegura o direito à informação. Também reconhece
que, para materializar esse direito, “é necessário que exista quem preste a
informação”, no caso as empresas jornalísticas, que “possuem um papel
fundamental no estado democrático de direito”. Mas a juíza ressalva que, no
mesmo artigo 5º, inciso X, também está assegurado o direito à inviolabilidade
da intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas. “Como se vê,
estamos diante de aparente colisão de direitos fundamentais, sendo necessária a
delimitação entre a liberdade de imprensa conjugada ao direito à informação e o
direito à privacidade e à imagem”, sustenta.
Até aí, tudo bem. O problema é que
a magistrada acrescenta: “A ilicitude somente está configurada quando há abuso
no exercício do direito à liberdade de imprensa e quando a divulgação desborda
das finalidades sociais a que se deve destinar”. Nesse ponto, sua afirmação
entra no campo da subjetividade. Quem vai definir qual deve ser a finalidade
social de cada artigo, cada reportagem, cada nota publicada na imprensa? Nas
democracias, esse é um assunto que cabe exclusivamente ao tribunal do leitor –
cabe somente a ele julgar e punir a publicação, exercendo o seu inalienável
direito de não comprá-la nem lê-la, caso venha a discordar de sua linha
editorial. Eu mesmo já fui assinante da “Caros Amigos”. Quando não mais
suportei seu esquerdismo, exerci o meu direito de não renovar a assinatura. Ir
além disso é flertar com a perigosa tese do “controle social” dos meios de
comunicação, que não passa de censura disfarçada de democracia.
Fonte:
Jornal
Opção
Divulgação:
www.juliosevero.com
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