Opredomínio cultural das esquerdas, o massacre ideológica das urnas, a desconexão entre os desejos legítimos da população brasileira e a agenda política colocada em prática – nada disso pode ser simplesmente atribuído ao maquiavelismo dos socialistas. Há uma importante “contribuição” por parte dos brasileiros não-alinhados a esse estado de coisas, e é da ingenuidade dessa gente e de sua dificuldade em lidar com a realidade exterior que o monstro esquerdista se alimenta.
Um bom exemplo disso é a ridícula campanha de uma rádio paulistana contra as “telenovelas”. Para quem não é de São Paulo, cumpre lembrar que a Rádio Jovem Pan pode ser considerada um veículo de comunicação com perfil tradicionalmente “conservador”. Foi, historicamente, um dos poucos órgãos da imprensa paulistana a enxergar com saudável ceticismo as eleições de Luiza Erundina e Marta Suplicy, por exemplo. Até o fenômeno Lula, jamais converteu-se docilmente a empulhação esquerdista, e mantém-se ainda hoje engajada na campanha por diminuição de tributos.
Ocorre, contudo, como eventualmente com certos setores não-alinhados ao esquerdismo, que a Rádio Jovem Pan se deixe levar por laivos de um arcaísmo sem sentido e que acaba servindo ainda mais à agenda esquerdista. Provavelmente sem objetivo, o texto da rádio que condena as “telenovelas” acaba por se aproximar e servir de munição aos radicalismos dos conselhos de controle da mídia e “Confecoms” da vida, ao defender a moralidade (conceito vago, como veremos a seguir) e conclamar sua proteção em nome da “nacionalidade” (http://jovempan.uol.com.br/programas/novelas-desconfiguram-a-realidade-do-brasil-187344,,0):
Novelas desconfiguram a realidade do Brasil
A liberdade de expressão passa por desvios escabrosos no mundo moderno. Enquanto em países como a Venezuela se lacram canais de televisão, aqui entre nós a disputa de audiência coloca no ar uma libertinagem que agride a família brasileira. A devassidão está escancarada nas novelas, que são apresentadas em horário nobre e penetram nos lares para espanto de pais, esposas e crianças, em todo o país. E nelas, o que se vê?
Famílias desconstituídas e a banalidade dos encontros fortuitos, as traições como hábito comum dos casais. A fidelidade morreu. A mulher se transformou em objeto. Aqui, em cena de café da manhã, a filha sai do quarto com o namorado e se assenta à mesa, na mais absoluta naturalidade. Ali, na outra cena, amigas planejam outro lance de traição e torpeza.
A rigor, todos os personagens são levianos, ninguém trabalha, e é isso que destoa da realidade brasileira. O Brasil não é isso. Essa não é a verdade do nosso povo e da nossa civilização. Nisso, a novela presta um desserviço à nacionalidade, até porque, sendo bem feita como é, a peça vai correr mundo e mostrar uma imagem deformada da mulher brasileira que, na verdade, é uma trabalhadora voraz, competente, dedicada, que cresce a olhos vistos no campo da produção e, à noite, volta para casa, para conduzir com dignidade o lar, que é seu esteio e seu templo de repouso.
Não se trata, como pode parecer, de rasurar, na sua essência, a liberdade de expressão. Nada disso. É uma questão de cidadania. É uma questão de civilização. É uma questão da televisão brasileira.
Qualquer pessoa cuja ingenuidade esteja sob controle perceberá que o resultado de um texto como este é mais munição para as teses de “controle social da mídia”, “democratização dos meios de comunicação”, “defesa do conteúdo nacional e regional”, e todas as outras teses parecidas e autoritárias que a esquerda brasileira teima em fazer vingar.
Aparentemente, não ocorre à Jovem Pan imaginar que um dos preços (baratíssimo, por sinal) de uma sociedade em que impere a livre expressão é a existência e a disseminação da estética barata e apelativa, da qual as telenovelas e os reality shows (http://jovempan.uol.com.br/noticias/editorialjp/cenas-do-bbb-representam-desservico-para-o-pais-188121,,0) são apenas um exemplo. A liberdade celebra, inclusive, a possibilidade de rejeitar ou até mesmo ignorar filmes, livros e programas de TV de baixa qualidade, mas dificilmente negar-lhes a existência. Não se pode condenar a sociedade ao controle ideológico e partidário do conteúdo das TVs (e que outro tipo de controle a Jovem Pan pode imaginar que venha a ser criado?), em nome de conceitos vagos de “brasilidade” e “moralidade” (definidos por quem, de forma absoluta?) simplesmente porque alguns senhores de idade avançada não conseguem dominar as funções básicas do controle remoto.
O episódio em questão tem sua legitimidade colocada ainda mais à prova quando lembramos o entusiasmo com que a mesma rádio trata de outro tema da cultura popular: o carnaval, que merece do site da Jovem Pan uma editoria particular (http://jovempan.uol.com.br/entretenimento/carnaval2010). Há uma clara incoerência da parte de quem procura condenar as telenovelas e shows de TV sob pretexto de defesa da “família” e da “moralidade” e ao mesmo tempo divulga incondicionalmente o evento caracterizado pela nudez dos desfiles e pela aparente promiscuidade dos bailes e blocos.
Qual a grande diferença entre a moralidade das novelas e do carnaval?
Maior serviço prestaria a Jovem Pan à “brasilidade” se condenasse, com a mesma veemência, a tomada do Estado pelos partidos de esquerda e a entrega de nossas divisas e de nossa soberania a ONGs e lideranças estrangeiras de inspiração visivelmente totalitária. Não basta protestar: é preciso saber contra o que e contra quem, exatamente, vale a pena erguer suas bandeiras.
Enquanto não perceber isso, certos setores da vida nacional continuarão alimentando a militância esquerdista com sua tola e anacrônica jactância.
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