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sexta-feira, 5 de março de 2010

País curioso, de poderes confusos

Desde a promulgação da Constituição de 1988, argumenta-se que o Estado brasileiro tornou-se, definitivamente, um Estado Democrático de Direito, com a eliminação de diferenças e de discriminações e com a implementação de uma sociedade solidária, estando a lei assegurada pela independência e autonomia dos Três Poderes. 

Apesar de tais desideratos estarem plasmados no texto constitucional, a realidade não tem correspondido à intenção dos constituintes. De início, não conseguem, o governo federal e os governos estaduais, fazer com que determinados movimentos respeitem a Carta Magna. MST, Vila Campesina e outros vivem, exclusivamente, da violação da Constituição e da lei, com o beneplácito e a colaboração, principalmente do governo federal, por meio de financiamentos e desapropriações, parte delas barrada nos Tribunais.

A destruição da Câmara dos Deputados, de pesquisas científicas, de terras, de lavouras, por tais movimentos repudiados pela população e que se negam a fazer o teste das urnas, tem sido uma constante e clara demonstração de que determinadas autoridades são coniventes com tais maculações da lei maior.
 
Por outro lado, magistrados de Tribunais Regionais, inclusive da Suprema Corte, criticam o excesso de prisões preventivas –  muitas vezes arbitrárias –  de pessoas, sem haver processos ou autos lavrados, quase sempre lastreadas em trechos pinçados de gravações telefônicas.
 
A imprensa publicou manifesto de eminentes desembargadores, que ficaram estupefatos quando souberam da existência de  409.000 escutas telefônicas autorizadas no Brasil,  em 2007, tendo, inclusive, o ministro Sepúlveda Pertence, em depoimento na Câmara dos Deputados , tecido duras críticas a tais abusivas ações. Nem Orwell imaginaria, em seu dramático 1984, uma tal violação de privacidade.
 
Uma interpretação equivocada – a nosso ver – da Constituição, são  os artigos 231 CF e 68 da ACDT,  que ofertam direitos aos índios e aos quilombolas sobre terras que,no momento da promulgação da lei suprema, ocupariam e não que ocuparam no passado. Isso  gera problemas. Pela interpretação oficial, o presente do indicativo do texto maior passou a ser o pretérito perfeito e onde se lê "ocupam" passou-se a ler "ocuparam".
 
Com isso,  para aproximadamente 700 mil índios, nascidos no Brasil ou nos países vizinhos, estão sendo entregues 13% de território nacional. Aos declarados quilombolas – e são poucos aqueles que descendem efetivamente dos quilombos coloniais e vivem naquelas terras históricas – houve tal extensão conceitual do termo que a maior parte dos afro-descendentes passou a ser considerada quilombola.
 
Por outro lado, à luz de uma exegese controversa do que seja o neoconstitucionalismo, ou seja, dar praticidade aos princípios constitucionais – tese de rigor que deu origem ao  constitucionalismo americano e francês, não sendo, portanto, novo, mas apenas mais uma tentativa de adaptar-se o "construtivismo" americano à realidade social –, o Poder Judiciário tem-se outorgado o direito de se transformar em legislador positivo, não poucas vezes, sobrepondo-se ao Poder Legislativo no suprir o que entende ser omissão daquele poder.
 
Por seu lado, o Poder Executivo continua utilizando-se das medidas provisórias, que só foram colocadas no texto constitucional – pois a Constituição de 1988 deveria ser para uma República Parlamentar do Governo – tornando-se, de rigor, no verdadeiro legislador.
 
Temos, portanto, um Brasil curioso. O Poder Executivo assumiu funções legislativas, por meio das medidas provisórias. O Poder Legislativo, diminuído em suas funções, por meio das CPIs transformou-se em Poder Judiciário. E o Poder Judiciário,  de legislador negativo – ou seja, de não dar sequência às normas constitucionais –,  assume, mais e mais, à luz de estranha concepção do neoconstitucionalismo, a função de legislador positivo.
 
É, neste País de contradições e de preconceitos às avessas, que os privilégios das cotas universitárias e para pessoas de opções sexuais diversas estão a refletir discriminações contra a grande maioria dos demais cidadãos comuns. Dessa forma, a juventude busca alternativas para o futuro, não encontrando, entretanto, nos seus líderes atuais, um modelo paradigmático a ser seguido.
 
Nossa esperança reside na educação e no trabalho  daqueles que ainda acreditam no ensino e estão dispostos a tentar influenciar as futuras gerações com ideias não contaminadas, sem preconceitos, sabendo que  solidariedade não se faz com o semear do joio, nem se cria uma grande nação com ódio e preconceitos, favorecendo grupos contrários ao Estado de Direito,  ou beneficiando aqueles  que se enquistam no poder, não para servir à sociedade, mas para dela se servir. Infelizmente,  gerar conflitos sociais encontra-se  na base do PNDH-3.

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