Há 14 anos, em artigo na Folha, o atual mandatário acenava com os riscos de "mexicanização" e uso abusivo da máquina pública.
"Num país onde se pratica o fisiologismo explícito e o uso e abuso da máquina pública em proveito próprio, a reeleição pode conduzir a um processo de mexicanização".
O alerta foi emitido em 1996 por Luiz Inácio Lula da Silva em artigo publicado pela Folha.
O líder petista, que havia dois anos perdera a eleição no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso, mostrava-se preocupado.
Via o risco de, aprovada a possibilidade de renovação do mandato, o PSDB transformar-se numa espécie de Partido Revolucionário Institucional -o PRI, que governou o México de 1926 a 2000.
Lula chamava a atenção para o peso desproporcional que os detentores do poder podem exercer num processo eleitoral por meio do aparelhamento o Estado e nebulosa arrecadação de fundos:
"O Estado mobiliza um conjunto de obras e recursos que podem ser postos a serviço de caixinhas eleitorais e troca de favores. Não é segredo para ninguém que as grandes obras públicas podem ser sobrefaturadas, e um significativo percentual delas acaba nas contas numeradas dos assessores dos mandatários, não para uso pessoal, dirão eles, é claro, mas para financiar a futura campanha. São rios de dinheiro [...] para fazer propaganda de campanha e programas mirabolantes, com a mais sofisticada técnica de comunicações para ludibriar o eleitorado".
Diante das pretensões da situação, favorável à continuidade de FHC para que o Brasil prosseguisse dando certo, Lula alfinetava: "E por que, então, não ressuscitar de uma vez o partido monarquista e colocar FHC no trono do Brasil para sempre?".
Como se sabe, aprovada e emenda da reeleição, o tucano conquistou mais um mandato e foi sucedido pelo próprio petista. Os artifícios retóricos e os argumentos que constavam do artigo de Lula poderiam, quase que integralmente, ser agora esgrimidos contra seu próprio governo.
De fato, poucas vezes na história republicana o fisiologismo foi tão explícito e subordinou-se tanto a máquina pública ao proveito partidário.
Por certo, tornaram-se ainda mais caudalosos os rios de dinheiro vertidos na candidatura continuísta -e mais sofisticadas as técnicas de comunicação para "ludibriar o eleitorado".
Utilizou-as Lula, com sua vocação de animador de plateias, para inventar a herdeira que, sem nenhuma experiência eleitoral, poderá ocupar seu trono - ou melhor, a cadeira presidencial.
As recorrentes comparações com a história mexicana, que ora voltam à cena, podem ser úteis nos torneios verbais, mas não vão muito além disso. Por mais longos que possam ser os ciclos de grupos políticos no poder, as democracias evoluídas (o que não era o caso do México) acabam sempre por experimentar uma saudável alternância administrativa.
São os fundamentos desse sistema de governo que, acima de tudo, precisam ser fortalecidos no Brasil.
Não há dúvida de que a experiência democrática em nosso país já atingiu padrões elogiáveis de funcionamento.
É preciso porém cultivá-la para que não se perca em consensos perigosos - mais ainda neste momento em que o continuísmo político poderá consumar-se em inédita hegemonia.
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