sexta-feira, 10 de setembro de 2010
O país sem sigilo. Assim se fazem as ditaduras
Via: Com o Perdão da Palavra
Por Paulo Briguet
Um não-leitor avisa: “Tente arrumar outra profissão”. É que no país sonhado pelos bons companheiros não há espaço para jornalistas – e muito menos para cronistas – com opinião própria. Informação? Só se tiver o carimbo do Estado, em letras garrafais: PUBLIQUE-SE. CUMPRA-SE. Antes de sair na imprensa, qualquer notícia ou comentário deverá passar pelo crivo dos Sovietes de Controle Social do Jornalismo.
“Seu tempo é curto”, diz o mesmo não-leitor. O referido é verdade e dou fé. De acordo com as pesquisas (e com os fatos), aproxima-se o tempo em que todos os sigilos serão quebrados. Em breve, qualquer cidadão de bem terá acesso on-line aos dados fiscais, bancários, telefônicos, familiares, eleitorais, ideológicos, culturais e sexuais dos Inimigos do Povo.
A máxima nacional-socialista – “Quem não deve, não teme” – ganhará força de lei. Nas escolas, durante as aulas de Cidadania e Compromisso Social, as crianças serão orientadas a denunciar pais conservadores, neoliberais e oposicionistas. Os alunos serão obrigados a escrever cem vezes: “Pai de direita não é direito”.
Os Inimigos do Povo serão obrigados a usar uma identificação padronizada. Só poderão circular em lugares públicos com enormes crachás, onde se lerá:
Eu critiquei o Bolsa Família.
Eu não elogiei empresas públicas.
Eu não aprovei as invasões de terra.
Eu defendi as privatizações do governo FHC.
Acima das frases, uma advertência em letras maiúsculas e berrantes:
CUIDADO: INIMIGO DO POVO!
De fato, o bom companheiro está certo. “Tente arrumar outra profissão.” Como não defendi o diploma obrigatório para jornalistas, logo perderei o meu. Já começo a pensar em outro serviço. Lixeiro, quem sabe? Se Ivan Klíma virou varredor de ruas na antiga Tchecoslováquia, quem sabe eu possa trabalhar com reciclagem – de papel, não de ideias.
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(Eu gostaria que esta crônica fosse apenas uma hipérbole do futuro próximo. Mas, pelo rumo dos acontecimentos, tem chances de se tornar uma descrição realista.)
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Assim se fazem as ditaduras
Reza a lenda que Winston Churchill, herói da humanidade, fechava a cara e saía resmungando quando por acaso encontrava o líder trabalhista Clement Attlee no banheiro do parlamento britânico.
Um dia, Attlee reclamou:
– Winston, apesar de nossas diferenças políticas, sempre mantivemos uma relação cordial. Por que você não me cumprimenta quando vai ao mictório?
– Desculpe, Clement, mas tenho medo. Vocês trabalhistas não podem ver nada grande e funcionando bem que já querem passar para o controle do Estado!
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O Mercadinho Shangri-Lá, como o próprio nome diz, não é grande, mas há meio século funciona bem. Não é por acaso que os políticos trabalhistas querem mexer ali. O controle do Estado agora se exerce de outra maneira: a autoridade municipal insiste em promover a licitação das lojas. O problema é que os comerciantes do Shangri-Lá sabem fazer pastel, sabem vender frutas e legumes, sabem atender bem os fregueses. Eles souberam criar um dos pontos mais agradáveis da cidade; no entanto, não sabem ganhar licitação. Há quem saiba – e o resultado a gente conhece.
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Um dia, a pequena lâmpada correspondente ao seu nome, leitor, vai se acender lá em Brasília, na memória do Tiranossaurus rex. No dia seguinte, você vai acordar e três funcionários de terno e gravata estarão esperando ao lado da cama. Um deles dirá:
– Acompanhe-nos, por favor.
– Mas o que foi que eu fiz?
– Não estamos autorizados a dizer. O senhor ficará sabendo de tudo na delegacia.
No caminho, dentro da viatura, você se lembrará do dia em que a filha daquele candidato teve o sigilo fiscal quebrado. Você se lembrará de que não votou na pessoa certa. Mas não conseguirá se lembrar de algum crime ou delito que possa ter cometido.
Nada disso importa. O Tiranossaurus rex vai se lembrar. E então, meu amigo, você também passará ao controle do Estado
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