Cena do filme Invictus
Poucos grupos sociais teriam tantos motivos para buscar uma desforra contra seus antigos opressores como os negros sul-africanos. Submetidos pelos brancos desde os primórdios da colonização européia, foram sujeitos à mais humilhante e brutal segregação institucionalizada durante o apartheid, vigente no período 1948-90. O processo se agravou a partir de 1960, quando as lideranças negras organizadas no Congresso Nacional Africano (CNA) adotaram a luta armada como forma de reação ao regime, com a criação da ala militar do CNA, encabeçada por Mandela. Nas décadas seguintes, dezenas de milhares de pessoas, em sua maioria negras, morreram em decorrência do conflito, principalmente pela feroz repressão do regime.
Da mesma forma, raros indivíduos teriam tantas motivações como Mandela para se vingar de seus algozes - encarcerado durante 27 anos e com a sua vida familiar devastada, inclusive com a morte de um filho em um suspeito acidente automobilístico. Não obstante, mesmo sob as condições mais atrozes, ele superou tanto as suas próprias inclinações revolucionárias (ditadas pelo marxismo que adotou como ideologia) e todas as adversidades, para se transformar num autêntico estadista. Sua façanha: liquidar o apartheid sem a tragédia de uma guerra civil esperada – e insuflada – por muitos. Sua receita: conquistar os oponentes, em vez de destruí-los; falar-lhes aos corações, em vez de às mentes.
Para tanto, ao mesmo tempo em que se recusava a abrir mão da luta armada como forma de reação ao apartheid, Mandela (que estava longe de ser um pacifista à la Gandhi) utilizou o seu tempo na prisão para estudar a história, a língua e, principalmente, os costumes e as motivações dos africâneres que constituíam a elite branca. Porém, após a sua libertação, em 1990, tanto durante o período de negociações políticas que culminaram com as eleições gerais de 1994, como, principalmente, na presidência, envidou todos os esforços para afastar o fantasma do revanchismo político.
Um exemplo dessa determinação foi a sua oposição à mera troca do hino nacional africâner, Die Stem (O chamado), pela canção-símbolo negra Nkosi Sikeleli Afrika (Deus abençoe a África), pretendida pela cúpula do CNA. Como resultado, embora o novo e belo hino do país tenha o nome da canção-símbolo, ele passou a ser constituído por duas estrofes desta e duas do hino africâner, sendo o único hino nacional do mundo cantado em cinco idiomas.
A mesma atitude marcou a sua posição diante do rúgbi. Esporte da elite branca por excelência, o rúgbi era visto pelos negros (adeptos do futebol) como um dos símbolos da repressão africâner, a ponto de torcerem fanaticamente contra o time nacional, o Springboks, nos jogos deste contra equipes estrangeiras. Durante as negociações com o governo do então presidente Frederik W. de Klerk para as eleições de 1994, muitos líderes do CNA propunham, simplesmente, acabar com o Springboks. Por sua vez, percebendo o potencial do esporte para a pacificação, Mandela tratou de apoiar a realização no país da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 e, principalmente, apoiar o Springboks.
O estratagema funcionou e, pela primeira vez, virtualmente toda a população sul-africana se uniu em torno de uma causa comum, a torcida pelo Springboks na Copa do Mundo, algo antes inimaginável. Para completar, a equipe acabou vencendo o torneio, em uma final memorável contra o poderoso time da Nova Zelândia, em 24 de junho de 1995, provocando uma explosão de júbilo em todo o país.
Embora os governos de Mandela e de seus sucessores, todos do CNA, não tenham tido o mesmo sucesso em uma rápida diminuição das grandes desigualdades socioeconômicas entre brancos e negros e as demais minorias sul-africanas, o exemplo de tolerância e o apelo à concórdia do ex-revolucionário marxista convertido em presidente foram determinantes para o recomeço relativamente pacífico da África do Sul pós-apartheid. Apesar dos problemas econômicos, dos ainda elevados níveis de violência interna, da pandemia de AIDS e dos numerosos percalços que o país enfrenta, o fantasma de uma guerra civil potencialmente devastadora foi afastado.
Como afirma Carlin em seu livro: “Ele venceu porque escolheu ver o bem em indivíduos que 99 em cada 100 pessoas teriam julgado sem salvação... Esta era uma arma tão poderosa que fez surgir um novo tipo de revolução. Em vez de eliminar o inimigo e começar do zero, o inimigo era incorporado em uma nova ordem deliberadamente construída sobre as fundações da antiga. Concebendo sua revolução não como a destruição do apartheid, mas, de forma mais resistente, como a unificação e a reconciliação de todos os sul-africanos, Mandela rompeu com os moldes históricos.”
Em um certo grande país ao sul do equador, desafortunadamente, ainda existem muitos candidatos a incendiários que, motivados por vetustos e disfuncionais conceitos ideológicos e incapazes de superar inoportunas inclinações revanchistas, não conseguem romper com esses moldes inúteis para a construção do futuro. Deveriam refletir sobre os ensinamentos sul-africanos – seguramente, estariam em melhores condições de prestar um serviço real ao País.
Geraldo Luís Lino é Geólogo especializado na aplicação de estudos geológicos a projetos de engenharia civil e avaliações de impactos ambientais. É fundador e diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa), autor do livro A fraude do aquecimento global: como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial e co-autor dos livros Máfia Verde 2: ambientalismo, novo colonialismo (2005) e A hora das hidrovias: estradas para o futuro do Brasil (2008), ambos publicados pela Capax Dei Editora.
Da mesma forma, raros indivíduos teriam tantas motivações como Mandela para se vingar de seus algozes - encarcerado durante 27 anos e com a sua vida familiar devastada, inclusive com a morte de um filho em um suspeito acidente automobilístico. Não obstante, mesmo sob as condições mais atrozes, ele superou tanto as suas próprias inclinações revolucionárias (ditadas pelo marxismo que adotou como ideologia) e todas as adversidades, para se transformar num autêntico estadista. Sua façanha: liquidar o apartheid sem a tragédia de uma guerra civil esperada – e insuflada – por muitos. Sua receita: conquistar os oponentes, em vez de destruí-los; falar-lhes aos corações, em vez de às mentes.
Para tanto, ao mesmo tempo em que se recusava a abrir mão da luta armada como forma de reação ao apartheid, Mandela (que estava longe de ser um pacifista à la Gandhi) utilizou o seu tempo na prisão para estudar a história, a língua e, principalmente, os costumes e as motivações dos africâneres que constituíam a elite branca. Porém, após a sua libertação, em 1990, tanto durante o período de negociações políticas que culminaram com as eleições gerais de 1994, como, principalmente, na presidência, envidou todos os esforços para afastar o fantasma do revanchismo político.
Um exemplo dessa determinação foi a sua oposição à mera troca do hino nacional africâner, Die Stem (O chamado), pela canção-símbolo negra Nkosi Sikeleli Afrika (Deus abençoe a África), pretendida pela cúpula do CNA. Como resultado, embora o novo e belo hino do país tenha o nome da canção-símbolo, ele passou a ser constituído por duas estrofes desta e duas do hino africâner, sendo o único hino nacional do mundo cantado em cinco idiomas.
A mesma atitude marcou a sua posição diante do rúgbi. Esporte da elite branca por excelência, o rúgbi era visto pelos negros (adeptos do futebol) como um dos símbolos da repressão africâner, a ponto de torcerem fanaticamente contra o time nacional, o Springboks, nos jogos deste contra equipes estrangeiras. Durante as negociações com o governo do então presidente Frederik W. de Klerk para as eleições de 1994, muitos líderes do CNA propunham, simplesmente, acabar com o Springboks. Por sua vez, percebendo o potencial do esporte para a pacificação, Mandela tratou de apoiar a realização no país da Copa do Mundo de Rúgbi de 1995 e, principalmente, apoiar o Springboks.
O estratagema funcionou e, pela primeira vez, virtualmente toda a população sul-africana se uniu em torno de uma causa comum, a torcida pelo Springboks na Copa do Mundo, algo antes inimaginável. Para completar, a equipe acabou vencendo o torneio, em uma final memorável contra o poderoso time da Nova Zelândia, em 24 de junho de 1995, provocando uma explosão de júbilo em todo o país.
Embora os governos de Mandela e de seus sucessores, todos do CNA, não tenham tido o mesmo sucesso em uma rápida diminuição das grandes desigualdades socioeconômicas entre brancos e negros e as demais minorias sul-africanas, o exemplo de tolerância e o apelo à concórdia do ex-revolucionário marxista convertido em presidente foram determinantes para o recomeço relativamente pacífico da África do Sul pós-apartheid. Apesar dos problemas econômicos, dos ainda elevados níveis de violência interna, da pandemia de AIDS e dos numerosos percalços que o país enfrenta, o fantasma de uma guerra civil potencialmente devastadora foi afastado.
Como afirma Carlin em seu livro: “Ele venceu porque escolheu ver o bem em indivíduos que 99 em cada 100 pessoas teriam julgado sem salvação... Esta era uma arma tão poderosa que fez surgir um novo tipo de revolução. Em vez de eliminar o inimigo e começar do zero, o inimigo era incorporado em uma nova ordem deliberadamente construída sobre as fundações da antiga. Concebendo sua revolução não como a destruição do apartheid, mas, de forma mais resistente, como a unificação e a reconciliação de todos os sul-africanos, Mandela rompeu com os moldes históricos.”
Em um certo grande país ao sul do equador, desafortunadamente, ainda existem muitos candidatos a incendiários que, motivados por vetustos e disfuncionais conceitos ideológicos e incapazes de superar inoportunas inclinações revanchistas, não conseguem romper com esses moldes inúteis para a construção do futuro. Deveriam refletir sobre os ensinamentos sul-africanos – seguramente, estariam em melhores condições de prestar um serviço real ao País.
Geraldo Luís Lino é Geólogo especializado na aplicação de estudos geológicos a projetos de engenharia civil e avaliações de impactos ambientais. É fundador e diretor do Movimento de Solidariedade Ibero-americana (MSIa), autor do livro A fraude do aquecimento global: como um fenômeno natural foi convertido numa falsa emergência mundial e co-autor dos livros Máfia Verde 2: ambientalismo, novo colonialismo (2005) e A hora das hidrovias: estradas para o futuro do Brasil (2008), ambos publicados pela Capax Dei Editora.
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