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segunda-feira, 23 de julho de 2012

Desejo, logo existo?

Desejo, logo existo?:

Desejo, logo existo?

Pode o desejo sexual mais do que a anatomia definir a identidade de um ser um humano?

Pode o comportamento animal ser usado como parâmetro para o comportamento humano?

Dr. Luciano Garrido
Os prejuízos causados pelo ativismo
político do Conselho Federal de Psicologia são realmente incalculáveis. Quando
uma determinada ciência é prostituída em benefício de ideologias, sua reputação
cai no mais absoluto descrédito. Os critérios de validade que fundamentam a
produção do conhecimento, e que são universalmente aceitos, acabam substituídos
pela conveniência política daqueles que detém circunstancialmente o poder —
mesmo que seja o poder de uma simples autarquia.
Assim, a “boa teoria” não é mais aquela
que resiste ao teste de realidade ou apresenta um valor heurístico
considerável, mas a que atende a certos anseios pessoais ou coletivos, por mais
intangíveis que sejam. E se os fatos negam a ideologia, tanto pior para os
fatos. É que as construções ideológicas, em seu substrato mais íntimo, se
assentam sobre disposições afetivas bastante arraigadas, algo que lhes confere
uma capacidade de resiliência fora do comum. As ideologias não prestam contas à
realidade: se limitam a criticar o que existe em nome do que não existe, e
talvez jamais possa existir. É nesse ambiente de inspirações obscurantistas e
degradação intelectual que a psicologia tem se tornado terreno fértil para toda
sorte de impostores e demagogos.
A última audiência pública que discutiu
a “cura gay” — assim carinhosamente batizada pela imprensa — foi um exemplo
típico dessas distorções. Nela, houve um deputado que se sentiu à vontade para
opinar sobre assuntos relacionados à Psicopatologia. Quais eram suas
credenciais? Basicamente, um diploma de jornalista e uma fama exaurida em
programa de reality show.
O grande problema, na verdade, não está
tanto na tagarelice dos palpiteiros de ocasião, mas no silêncio obsequioso com
o qual boa parte dos psicólogos vem testemunhando disparates desse jaez. Isso
mostra que a patrulha ideológica do Conselho Federal de Psicologia alcançou o
efeito almejado, e a esta altura dos acontecimentos, suponho eu, já decretou
toque de recolher até na comunidade acadêmica. Enquanto os psicólogos se
escondem nos consultórios e guardam o mais absoluto mutismo, o deputado Jean
Wyllys vem à tribuna para dizer o seguinte:
“É
óbvio que alguém homossexual vai ter egodistonia, mas por viver numa cultura
homofóbica que rechaça e subalterniza sua homossexualidade. O certo seria
colocar o ego em sintonia com seu desejo, é sair da vergonha para o orgulho.”
Se bem entendi a opinião do deputado,
ele parte da premissa de que o desejo sexual possui primazia sobre o ego; logo,
é o ego que deve estar em sintonia com o desejo, e não este em sintonia com
aquele. Isso, segundo o sr. Wyllys, é que é o certo. Para efeito de
argumentação, vou tomar a palavra “certo” no sentido aproximado de “normal”, já
que não parece sensato supor que o certo, nesse caso, significa algo bizarro,
anômalo ou desviante.
Dito isso, eu perguntaria ao sr. Wyllys:
por que não considerar como certo — ou normal, como queira — o desejo sexual
que está em conformidade com o sexo biológico? Quais os critérios utilizados
pelo deputado para definir seu padrão de normalidade? É preciso que ele aponte
os fundamentos clínicos, teóricos, filosóficos, ou até metafísicos, sobre os
quais está apoiada sua opinião. 
Sigmund Freud, por exemplo, que é
considerado o maior psicólogo clínico de todos os tempos, pressupunha em sua
teoria a existência de um registro real da sexualidade — “a diferença entre os
sexos” — como causa do desejo para o sujeito. Essa idéia, aliás, foi condensada
numa de suas célebres frases, segundo a qual “anatomia é destino”. Em momento
algum Freud disse que o desejo sexual era destino. Donde se depreende que a
anatomia do sujeito é um dado de realidade anterior a qualquer processo
subjetivação, e, como tal, deve orientá-lo. Aliás, não só a anatomia, mas a
fisiologia também.
Se o real precede o imaginário e o
simbólico, e se o ego é a instância psíquica regida pelo “princípio de
realidade”, como ensinava Freud, é natural que as pessoas achem certo (ou
normal) que o desejo sexual esteja em sintonia com a realidade corporal.
O que leva o desenvolvimento
psicossexual de alguém a perder-se nos desvãos de suas angústias e fantasias,
levando-o a desordens na identidade sexual, é algo passível de investigação
científica — e, quem sabe, de solução terapêutica viável. Existem muitas
tentativas de entender o fenômeno (“fixação narcísica”, “horror à castração”,
etc), propostas por vários estudiosos da sexualidade humana — Freud entre eles.
Porém, se a cultura encara com certa perplexidade ou estranhamento as práticas
homossexuais, isso não dá margem para presumir que a patologia esteja
obrigatoriamente na cultura, como pretende o deputado Jean Wyllys ao chamá-la
de “homofóbica” (na verdade, o intuito não é diagnosticar uma patologia, mas proferir
um simples insulto).
A capacidade de discernir o real do
irreal, de diferenciar os estímulos provenientes do mundo exterior dos
estímulos internos, está na própria gênese do processo de subjetivação. Freud
designava como “prova de realidade” a esse dispositivo que, de maneira
gradativa, consolida as funções superiores da consciência, memória, atenção e
juízo, entre outros atributos que singularizam a natureza humana, razão pela
qual se encontram tão enraizados na cultura. A esse respeito, é Freud quem diz:
“A
educação pode ser descrita, sem hesitação, como o incentivo à superação do
princípio do prazer, à substituição dele pelo princípio de realidade.”

(Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico, Freud, 1911)
Sendo ainda mais específico, os
critérios de doença e saúde utilizados pela disciplina da psicopatologia também
pressupõem em grande medida essa distinção elementar entre fenômenos meramente
subjetivos e a realidade objetiva. É dentro dessa perspectiva que o delírio e a
alucinação se constituem como exemplos extremos de manifestações patológicas
que perturbam, respectivamente, o juízo e a percepção da realidade. Enquanto
que os devaneios e as fantasias, embora considerados benignos sob o aspecto da
higidez mental, nem por isso deixam de ser igualmente irreais.
Por tudo isso, não surpreende que o
filósofo racionalista René Descartes, ao cabo de uma longa reflexão, tenha
concluído que o fundamento indubitável da existência deve repousar sobre as
faculdades humanas superiores, idéia cuja fórmula ganhou expressão lapidar no
seu cogito, ergo sum. Já o sr. Wyllys, o que faz? Como um bom hedonista, ele
quer nos convencer de que o fundamento da existência humana reside mesmo é nas
forças cegas do baixo-ventre, o que na mais respeitável filosofia de alcova foi
equacionado por outro mote, qual seja, o “libido, ergo sum”. Quem acredita que
o ego deve se curvar aos desejos sexuais é porque lhes confere um estatuto
primordial na própria definição de natureza humana.
Ainda que não houvesse quaisquer
parâmetros para se discutir a sexualidade humana, e que todas as opiniões,
portanto, fossem colocadas na vala-comum das idiossincrasias pessoais,
subsistiria o fato de que as pessoas pautam suas vidas por valores. Colocar a
mera fruição de desejo sexual como o que há de mais sublime da vida humana pode
não ser uma regra válida para todos. O que na concepção de uns significa “sair
da vergonha para o orgulho”, pode ser o inverso para muitos outros, conforme as
diferentes cosmovisões que se adote.
É por isso que o psicólogo não pode usar
de sua autoridade profissional na tentativa de abolir sentimentos de vergonha
ou culpa em seus pacientes. A missão do psicólogo clínico, segundo Freud,
limita-se a transformar todo sofrimento neurótico em infelicidade humana normal
— essa que todos nós, em maior ou menor medida, sentimos.  Quem acredita
que o objetivo da psicoterapia é liberar os desejos sexuais de suas “amarras”
culturais, convertendo indivíduos neuróticos em discípulos de Marquês de Sade,
é porque pretende impor convicções hedonistas aos próprios pacientes. Como
alertava o psicanalista Gregory Zilboorg:
“O
Homem não pode ser curado das exigências ético-morais e religiosas de sua
personalidade, que nele vivem e dele fazem o que realmente é. Só o morboso, o
irreal e inútil podem ser analisados.”
Em outra direção, tornou-se lugar-comum
o argumento de que o homossexualismo seria prática natural porque é observada
com freqüência em diversas espécies animais. Esse entendimento, porém, é
bastante falho, pois compara entre si fenômenos essencialmente diversos. Ainda
que, em uma determinada espécie, se observe o coito em indivíduos do mesmo
sexo, não se pode defini-lo como homossexualismo sem incorrer naquilo que os
etólogos chamam de “antropomorfização” do comportamento animal.
Os animais não possuem desejo sexual no
sentido empregado por nós. Animais possuem tão-somente impulsos sexuais, e
esses impulsos, em condições normais, seguem o comando fixo dos instintos
estabelecidos ao longo de sua cadeia evolutiva. Acrescente-se que, sob o ponto
de vista evolutivo, não pode haver algo como um “instinto homossexual” entre
animais, pois é certo que os indivíduos com essa tendência não repassariam sua
carga genética adiante. Até um suposto “instinto bissexual” teria chances bem
reduzidas de proliferação, o que olhado na perspectiva da longa escala de
evolução seria uma desvantagem bastante significativa.
A hipótese explicativa mais plausível
para a ocorrência desse fenômeno entre os animais segue outra direção. Quando
premidos por um forte impulso sexual cujo meio de satisfação original
encontra-se ausente, os animais comportam-se de modo a favorecer uma satisfação
alucinatória do impulso. Quem nunca testemunhou cães que, ao verem-se privados
de uma fêmea, passam a “montar” em nossas pernas, simular coito em outros
animais, com um ursinho de pelúcia ou com o ”puff” da sala?  Por que não
poderiam fazê-lo — como de fato fazem — com outros cães do mesmo sexo? Se isso
for homossexualismo, o que seriam os outros comportamentos?
Segundo Freud, o modo de satisfação
alucinatório também é encontrado nos seres humanos, bem nos primórdios de seu
desenvolvimento. Bebês que choram de fome e são acalmados por uma chupeta,
ainda que não estejam sendo nutridos, experimentam também um modo de satisfação
alucinatório. Com o passar do tempo, na medida em que acumulam frustrações e
percebem que esse tipo de mecanismo não é capaz de aplacar a fome, as crianças
o abandonam em favor de um “sentido de realidade”. É a partir desse momento que
ego vai se estruturando no aparelho psíquico. Só os seres humanos são capazes
disso.
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