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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Falácia e grosseria: o homeschooling segundo mais dois “izpessialistas”

Falácia e grosseria: o homeschooling segundo mais dois “izpessialistas”:


Falácia e
grosseria: o homeschooling segundo mais dois “izpessialistas”

André de Holanda
No dia 27 de
junho, a educação domiciliar (em inglês, homeschooling) foi assunto de
discussão no programa Brasil das Gerais, transmitido pela emissora de
televisão estatal Rede Minas (vídeo da primeira parte disponível aqui: http://www.youtube.com/watch?v=48yS0TB8l0g).
O objetivo – o confesso, ao menos – era “questionar as vantagens e
desvantagens” da prática e “se é saudável tirar uma criança ou adolescente da
escola regular”. Foram convidados para o programa Ricardo Dias, que educa, há
dois anos, os dois filhos em casa e é presidente da Associação Nacional de
Educação Domiciliar (ANED), Cleber Nunes, que pratica a educação não-escolar há
quase sete anos, o “sociólogo” Rudá Ricci e a “pedagoga” Lucíola Santos. Graças
à dupla de “izpessialistas”, o show se tornou uma exibição deplorável (e
comum entre os detratores da prática: veja-se
o caso de Rosely Sayão
) do que há de mais rasteiro em matéria de
desonestidade argumentativa e de aversão aos fatos.
Os especialistas
O rol de
convidados foi mal pensado. Para o bem do debate, deveriam ter sido convocados
estudiosos contrários e outros favoráveis à prática em questão. Longe disso, o
que se fez foi chamar dois “izpessialistas” no assunto (porque de modo algum o
conheciam), ambos contrários à educação domiciliar, e permitir que atacassem,
com artilharia vil, a honra e o estado emocional dos pais convidados. Rudá e
Lucíola não se muniram de fatos e pesquisas. Nem se dispuseram a ouvir o que
dois dos mais longevos praticantes brasileiros da educação não-escolar (que,
juntos, somam oito anos de experiências) tinham a falar. Foi por isso que a
dupla interrompeu diversas vezes as falas de Cleber e Ricardo, e não esperaram
(nem a apresentadora, em alguns momentos) que concluíssem seus argumentos e
relatos. Não foram honestos, não seguiram as regras da boa argumentação. Pelo
contrário, os “dotôres” se armaram com peças de acusação direcionadas às pessoas
dos pais – não só daqueles que ali estavam, no estúdio, mas de todos os que
adotam, responsável e corajosamente, um tipo de educação ainda incipiente no
Brasil.
Analiso, a
seguir, selecionando algumas passagens, de que modo se deu o ataque, como Rudá
e Lucíola desceram muito baixo para passar ao telespectador a sensação de
vitória. Não, não havia cientistas ali! Por trás dos diplomas e doutorados que
intimidam o leigo, revelaram-se, enfatuados, dois representantes da histeria e
da paranoia de parcela significativa da “estupidentsia” acadêmica brasileira.
Abaixo, as falácias cometidas por ambos são destacadas em itálico.
Rudá Ricci
iniciou sua participação no debate – aos 13:56 do vídeo – interrompendo Cleber
Nunes. Cleber, perguntado sobre os processos judiciais sofridos por sua
família, dizia que ele mesmo e sua esposa foram condenados, cível e
criminalmente, por abandono intelectual, após seus filhos serem aprovados em
vestibular de direito (em 2007, quando eles tinham 13 e 14 anos) e em prova da
Secretaria de Educação de Minas Gerais imposta pelo juiz da vara criminal (em
2008). Acertadamente, ele concluiu: “Percebi que o interesse não estava na
educação deles, mas que o interesse da Justiça era tão-somente que eles
estivessem na escola.”
Depois de ouvir
isso, Rudá, com aquela mansidão de quem desce de uma região etérea para dar o
ar de sua graça “diplomada” (notem que ele, simbolicamente, aparecia de olhos
fechados, quando Ricardo e Cleber falavam), desfia seu contra-argumento, sua
peça de acusação, tão aborrecida quanto falaciosa. Confusamente, o “çossiólogu”
compara (com falsa analogia) o direito de educar com o (inexistente,
segundo ele) direito ao suicídio: “O Estado não defende só a pessoa: defende a
sociedade, os direitos.” Para Rudá, que discorda de que as pessoas sejam donas
de seus corpos, um sujeito é incapaz de matar-se sem pôr outros em risco. Mas,
peralá!, o que é que isso tem a ver com educar fora de escolas? É que essa
prática também seria um risco coletivo: “É o fim da democracia, da vida social.”
Por quê? Cleber, Ricardo e TODOS os que educam em casa, garante Rudá, estão
“trazendo uma cultura do egoísmo e do individualismo extremo” (falácia da
omissão
, ataque à pessoa, conclusão irrelevante). Fatos?
Pesquisas? Nada. Será que a vida social e a democracia inexistem ou sofreram
duro golpe nos Estados Unidos, onde a prática é comum há mais de três décadas
e, hoje, há mais de 2 milhões de crianças e adolescentes educados em casa?¹
Testemunhamos,
com o passar do programa, um Rudá cada vez mais descontrolado e desleal.
Recorrendo mais uma vez à falsa analogia e atacando a pessoa dos
convidados, Rudá compara pais praticantes da educação em casa com políticos e
marketeiros (14:55, parte 1). Em comum, alega, eles deixariam “tirar foto do
aluno pra fazer propaganda do curso”, o que iria “causar um dano imenso [ao
aluno]”. A acusação, sabemos, é irrelevante para verificar vantagens ou não da
educação em casa. E não há, é óbvio, nenhuma evidência de que tal “exposição”
(fantasiosa!) causasse danos aos estudantes domiciliares.
Rudá tentou,
desde o início, construir um espantalho para ter em quem bater. O
pai que educa em casa não está, necessariamente, “dando aulas” domiciliarmente.
Há quem adote, por exemplo, métodos como os comumente chamados aprendizagem natural
e auto-aprendizagem (citado por Ricardo, a partir dos 8:22 do
primeiro bloco) e que não acreditam que os filhos precisem ser “ensinados”. Mas
Rudá, que não quer saber de fatos, afirma exatamente o contrário (falácia da
omissão
, a partir dos 14:33), certo de que os pais precisam ser “técnos” (sic)
para ter sucesso educando em casa. Cleber não sustentou, em momento algum do
programa, nem que o testemunho de seus filhos em audiências públicas, nem que
avaliações formais sejam, para ele, evidência de que a educação em casa é
tecnicamente “boa”. Mas Rudá, de novo, inventa um fato e atribui a
Cleber um argumento que lhe é estranho (a partir dos 15:09).
A “profeçôra”
Lucíola Santos, chamada a participar do debate aos 18:58 de programa, articulou
de modo mais claro os seus argumentos, o que tornou mais evidente as fraquezas
deles. Lembremos, antes, mais uma vez, que o objetivo do programa é discutir as
“vantagens e desvantagens da educação domiciliar”. Pois bem. A dona Lucíola
acha “tudo isso” de educação não-escolar “perigoso”. Vejamos seus argumentos:
(1) Os pais que educam em casa apontam defeitos na escola, mas não se mobilizam
para melhorá-la. Isso se dá (assim entendi) porque eles não acreditam no
Estado; (2) Os pais que educam em casa (supus que houve generalização) “tem
alguma espécie de posição político-religiosa que os mobiliza a não querer que
seus filhos convivam com pessoas diferentes”. Isso levaria a “processos de
fundamentalismo, em guetos, em situações inviáveis do ponto de vista social”;
(3) Os pais não tem competência, nem tempo, nem condições para ensinar todos os
conteúdos escolares às crianças até a idade de 17 anos; (4) Se a legislação
permitir que pais eduquem em casa, haverá caos – porque “muitos pais podem
fazer bem, outros, não” – e injustiça – “porque os pais não são os donos das
crianças.”
O primeiro
argumento é mais um ataque à pessoa completamente despropositado. O que
o fato de alguns pais (e não todos!) não “acreditarem no Estado” como agente de
educação nos diz da eficácia ou ineficácia do ensino domiciliar, das suas
vantagens ou desvantagens? O segundo, mais um ataque à pessoa, também
não nos revela nada da questão em debate! A acusadora não cita nenhum fato que
corrobore a afirmação de que pais que tiram seus filhos da escola evitam a
convivência deles com “pessoas diferentes”. O terceiro argumento torna
constrangedoramente manifesta a ignorância da “izpessialista” sobre o assunto.
A educação domiciliar, já dissemos, não é, necessariamente, educação
curricular, conteudista, programática. Considerando este fato, a suspeita em
relação a “competências, tempo e condições” é, toda ela, vaga, descabida e
completamente alheia à ciência.
O quarto
argumento de Lucíola tampouco se sustenta em fatos. Ela prevê uma situação de
“caos” porque “muitos” pais podem “fazer bem” à educação domiciliar e outros
pais, não. Ora, os pais que educam em casa não defendem que a prática seja
imposta sobre outras famílias. Aliás, será que a profeta buscou alguma
informação sobre o “caos” reinante no Texas, estado americano que conta,
segundo o Texas Home School Coalition, com cerca de 120 mil famílias
educando em casa, e onde os pais não precisam ter nem certificado de professor
para fazê-lo? Recomendo à “dotôra” o site da organização: http://www.thsc.org. No mais, ela, que se
esqueceu de definir o que é “fazer bem” a educação domiciliar (o que
impossibilita o debate sobre o termo), garantiu, citando o coletivista Estatuto
da Criança e do Adolescente, que os pais não são “os donos” dos filhos², sem
dizer bem em que isso importa para conhecermos “as vantagens e desvantagens da
educação domiciliar”.
O nível do
debate no restante do programa, acredite, leitor, foi pior – e não merece que
nos detenhamos muito nele. Um desfile de ataques pessoais (não há como
não sentir palpitações ao assistir à cena que começa nos 17:12), de apelos
emocionais
(chega a ser cômico o apelo à Xuxa, novo tipo de
generalização precipitada combinada com apelo à emoção, utilizado por Rudá
Ricci aos 15:13), apelo à autoridade (a partir dos 7:13 e dos 7:33), apelo
à maioria (a partir de 15:48)... E aí vai.
Encerro o texto
dirigindo-me a Rudá Ricci e ao bando de “izpessialistas” que, como ele e
Lucíola Santos, acha que as idiotices diplomadas passarão incólumes. Na segunda
parte do programa, Rudá vaticina que “shoppings curriculares” como os
que teriam sido feitos pela família de Gilmar e Vânia Lúcia Carvalho
(apresentada no início do segundo bloco) é um “erro estrondoso que nós só vamos
ver dali a pouco, quando tiver 25, 30 anos...”. Ricardo Dias alegou que “as
pesquisas de hoje mostram o contrário”, mas não conseguiu, na hora, citar
nenhuma. Então, Rudá, no auge da presunção dos “dipromados”, falou (7:50): “Não
sei que pesquisas, porque eu sou pesquisador da área... Você há de convir: fui
professor de mestrado e de doutorado da educação, eu conheço a literatura. Não
existe pesquisa que diga isso que você tá dizendo... Não existe. É definitivo
isso.”
A seguir, cito
dez pesquisas sobre a socialização e as realizações acadêmicas de crianças e
adolescentes educados em casa, para o “dotô” e “pezquisadô” começar a estudar
com seriedade o assunto. Por questão de espaço, não discorro sobre os “métodos”
utilizados nas pesquisas, o que Rudá pediu a Ricardo. Mas, aí, já seria
mastigar demais o material de estudo para o distinto “profêçô”. Aí vai, Rudá!
Bom proveito! (Ah, e, qualquer coisa, escreve “homeschooling research” no
Google e aperta “enter”! Aparece um montão de coisa!)
  1. Delahooke, Mona. (1986). Home Educated Children's
    Social, Emotional Adjustment and Academic Achievements:A Comparative
    Study. Unpublished doctoral dissertation. Los Angeles, CA: California
    School of Professional Psychology.
  2. Knowles, J. Gary (1991). Now We Are Adults:
    Attitudes,Beliefs, and Status of Adults Who Were Home-educated as
    Children. Paper presented at the annual meeting of the American
    Educational Research Association, Chicago, April 3-7.
  3. Medlin, Richard G. (2000). Home schooling and the
    question of socialization.
    Peabody Journal of
    Education
    , 75(1
    & 2), 107-123.
  4. Ray, Brian D. (2010, Frebuary 3). Academic
    Achievement and Demographic Traits of Homeschool Students: A Nationwide
    Study.
    Academic Leadership Journal, 8(1).
  5. Ray, Brian D. (2003). Homeschooling Grows Up.
    National Home Education Research Institue: Salem, Oregon.
  6. Rudner, Lawrence M. (1999). Scholastic
    achievement and demographic characteristics of home school students in
    1998.
    Educational Policy Analysis Archives, 7(8).
  7. Shyers, Larry E. (1992). A comparison of social
    adjustment between home and traditionally schooled students.
    Home School Researcher, 8(3), 1-8.
  8. McDowell, Susan. 2005. But What About
    Socialization? Answering the Perpetual Home Schooling Question: A Review
    of the Literature.
    Philodeus Press, 2004.
  9. Taylor, John Wesley. (1987). Self-Concept in Home
    Schooling Children.
    Doctoral
    dissertation, Andrews. University, Michigan, May 1986
  10. Van Pelt, D.A., Allison, P.A. and Allison, D.A.
    (2009). Fifteen Years Later: Home Educated Canadian Adults.
    London, ON: Canadian Centre for Home Education (Monograph).
Notas:
¹ Brian D. Ray. (2011). 2.04
Million Homeschool Students in the United States in 2010
.
National Home Education Research
Institute.
² Esse argumento, que já chegou nas
altas esferas da Justiça brasileira, não é novo. Em 2001, o ex-ministro do STJ
Francisco Peçanha Martins, então relator do caso da família Vilhena Coelho (que
defendia o direito de educar em casa os seus três filhos mais velhos), arguiu
que “os filhos não são dos pais”. A família teve o direito negado por seis votos
a dois.
³ Duas pesquisas recentes (Ray, 2003;
Van Pelt, Allison & Allison, 2009) verificaram o engajamento social de
adultos que foram educados em casa nos Estados Unidos e no Canadá. Os
resultados: comparados com seus pares não educados domiciliarmente, eles se
mostraram mais frequentes em grupos de atividades e organizações comunitárias,
e mais participativos nas eleições em seus países.
André de
Holanda
é
graduando em Sociologia na Universidade de Brasília. Atualmente, prepara
trabalho de conclusão de curso sobre a prática da educação domiciliar no
Brasil.
Divulgação: www.juliosevero.com
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