Você acredita no
aborto “legal”?
uma crença
difícil de ser extirpada do meio jurídico
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
A crença nos quatro elementos
Fogo, ar, terra e água eram considerados
os elementos que formavam o universo material. Essa teoria, que remonta a
Empédocles (cerca de 490-435 a.C.), foi retomada por Aristóteles (384/385–322
a.C.) e permaneceu por séculos. Santo Agostinho (354-430) refere-se aos “quatro
conhecidíssimos elementos” [1] e Santo Tomás de Aquino (1225-1274) cita-os
inúmeras vezes em suas obras. René Descartes (1596-1650), o pai da filosofia
moderna e grande crítico de Aristóteles, não fez grandes mudanças nessa teoria;
apenas reduziu os quatro elementos a três, excluindo a água [2]. Foi sobretudo
a partir dos experimentos de Lavoisier (1743-1794) que os quatro elementos
foram abandonados, cedendo lugar à teoria atômica de Dalton (1766-1844).
os elementos que formavam o universo material. Essa teoria, que remonta a
Empédocles (cerca de 490-435 a.C.), foi retomada por Aristóteles (384/385–322
a.C.) e permaneceu por séculos. Santo Agostinho (354-430) refere-se aos “quatro
conhecidíssimos elementos” [1] e Santo Tomás de Aquino (1225-1274) cita-os
inúmeras vezes em suas obras. René Descartes (1596-1650), o pai da filosofia
moderna e grande crítico de Aristóteles, não fez grandes mudanças nessa teoria;
apenas reduziu os quatro elementos a três, excluindo a água [2]. Foi sobretudo
a partir dos experimentos de Lavoisier (1743-1794) que os quatro elementos
foram abandonados, cedendo lugar à teoria atômica de Dalton (1766-1844).
A crença no aborto legal
Segundo uma teoria que remonta a Nelson
Hungria, o Código Penal brasileiro considera “legal” o aborto diretamente
provocado em duas hipóteses: (I) quando não há outro meio – que não o aborto –
para salvar a vida da gestante; e (II) quando a gravidez resulta de estupro e o
aborto é precedido do consentimento da gestante. Essa teoria vem atravessando
as gerações de juristas e tem sido passivamente recebida e mecanicamente
repetida pelos estudantes de Direito. Está tão consolidada que quem ousa
questioná-la é recebido com espanto. Tornou-se um dogma contra o qual não se
pode argumentar. Há, porém, uma diferença notável entre a teoria física dos
quatro elementos e a teoria jurídica do aborto “legal”.
Hungria, o Código Penal brasileiro considera “legal” o aborto diretamente
provocado em duas hipóteses: (I) quando não há outro meio – que não o aborto –
para salvar a vida da gestante; e (II) quando a gravidez resulta de estupro e o
aborto é precedido do consentimento da gestante. Essa teoria vem atravessando
as gerações de juristas e tem sido passivamente recebida e mecanicamente
repetida pelos estudantes de Direito. Está tão consolidada que quem ousa
questioná-la é recebido com espanto. Tornou-se um dogma contra o qual não se
pode argumentar. Há, porém, uma diferença notável entre a teoria física dos
quatro elementos e a teoria jurídica do aborto “legal”.
Aborto legal nos EUA |
plausível: não era possível demonstrá-la, mas também não se sabia como
refutá-la com o puro raciocínio. Somente com o emprego da balança na química
experimental, é que ela se mostraria inconsistente.
A segunda – a do aborto “legal” – não
requer dados experimentais para ser questionada. Pode ser refutada com o puro
raciocínio. Se ainda hoje grande parte dos juristas a aceita, é sobretudo
porque não se deu o trabalho de raciocinar.
requer dados experimentais para ser questionada. Pode ser refutada com o puro
raciocínio. Se ainda hoje grande parte dos juristas a aceita, é sobretudo
porque não se deu o trabalho de raciocinar.
Examinando criticamente o aborto “legal”
O estudioso de Direito precisa responder
a duas perguntas:
a duas perguntas:
1) de fato o Código Penal “permite”
o aborto em alguma hipótese?
o aborto em alguma hipótese?
2) se “permitisse”, tal aborto
seria admitido pela Constituição Federal?
seria admitido pela Constituição Federal?
Quem examina atentamente o artigo 128 do
Código Penal não encontra uma redação que indique que algum aborto é
“permitido”. Lá nem sequer está escrito que algum aborto “não é crime”.
Afirma-se apenas que em duas hipóteses o crime do aborto “não se pune”:
Código Penal não encontra uma redação que indique que algum aborto é
“permitido”. Lá nem sequer está escrito que algum aborto “não é crime”.
Afirma-se apenas que em duas hipóteses o crime do aborto “não se pune”:
Art.
128 - Não se pune o aborto praticado
por médico:
128 - Não se pune o aborto praticado
por médico:
I
- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II
- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
A redação é típica de uma escusa absolutória. O crime permanece,
mas a lei deixa de aplicar a pena ao criminoso. Algo semelhante ocorre com o
filho que furta dos pais (art. 181, CP) ou com a mãe que esconde seu filho
delinquente da polícia (art. 348, § 2º, CP). É o que explica Marco Antônio da
Silva Lemos:
mas a lei deixa de aplicar a pena ao criminoso. Algo semelhante ocorre com o
filho que furta dos pais (art. 181, CP) ou com a mãe que esconde seu filho
delinquente da polícia (art. 348, § 2º, CP). É o que explica Marco Antônio da
Silva Lemos:
Demais disso, convém lembrar, logo de
imediato, que o art. 128, CP, e seus incisos, não compõem hipóteses de descriminalização do aborto. Naquele
artigo, não está afirmado que ‘não constitui crime’ o aborto praticado por
médico nas situações dos incisos I e II. O que lá está dito é que ‘não se pune’
o aborto nas circunstâncias daqueles incisos. Portanto, em nossa legislação
penal, o aborto é e continua crime,
mesmo se praticado por médico para salvar a vida da gestante e em caso de
estupro, a pedido da gestante ou de seu responsável legal. Apenas — o que a
legislação infraconstitucional pode e deve fazer, porque a Constituição, como
irradiação de grandes normas gerais, não é código e nem pode explicitar tudo —
não será punido penalmente, por razões de política criminal.[3]
imediato, que o art. 128, CP, e seus incisos, não compõem hipóteses de descriminalização do aborto. Naquele
artigo, não está afirmado que ‘não constitui crime’ o aborto praticado por
médico nas situações dos incisos I e II. O que lá está dito é que ‘não se pune’
o aborto nas circunstâncias daqueles incisos. Portanto, em nossa legislação
penal, o aborto é e continua crime,
mesmo se praticado por médico para salvar a vida da gestante e em caso de
estupro, a pedido da gestante ou de seu responsável legal. Apenas — o que a
legislação infraconstitucional pode e deve fazer, porque a Constituição, como
irradiação de grandes normas gerais, não é código e nem pode explicitar tudo —
não será punido penalmente, por razões de política criminal.[3]
Como todo crime, o aborto cometido em
tais casos deve ser investigado por um inquérito
policial. O médico só ficará isento de pena se, ao final, for comprovada a ocorrência
de alguma das hipóteses acima. De nada adianta um alvará judicial para
“autorizar” a prática do aborto (ou de qualquer outro crime). O único efeito do
alvará é tornar o juiz partícipe do delito.
tais casos deve ser investigado por um inquérito
policial. O médico só ficará isento de pena se, ao final, for comprovada a ocorrência
de alguma das hipóteses acima. De nada adianta um alvará judicial para
“autorizar” a prática do aborto (ou de qualquer outro crime). O único efeito do
alvará é tornar o juiz partícipe do delito.
Aliás, mesmo quando alguém mata em
legítima defesa (nesse caso se exclui não só a pena, mas o próprio crime), é
necessário que um inquérito policial
verifique se de fato o agente estava diante de uma agressão injusta e atual ou
iminente e se usou de meios moderados para repeli-la (cf. art. 25, CP). Não basta
a simples palavra do agente nem uma “autorização” prévia do juiz para praticar
o fato.
legítima defesa (nesse caso se exclui não só a pena, mas o próprio crime), é
necessário que um inquérito policial
verifique se de fato o agente estava diante de uma agressão injusta e atual ou
iminente e se usou de meios moderados para repeli-la (cf. art. 25, CP). Não basta
a simples palavra do agente nem uma “autorização” prévia do juiz para praticar
o fato.
Alguns defensores da teoria do aborto
“legal”, como Mirabete e Magalhães Noronha, reconhecem que a redação “não se
pune” do artigo 128, CP, não favorece sua tese. Frederico Marques e Damásio
tentam inutilmente, com um malabarismo verbal, demonstrar que “não se pune o
aborto” equivale a “é lícito o aborto”.[4]
“legal”, como Mirabete e Magalhães Noronha, reconhecem que a redação “não se
pune” do artigo 128, CP, não favorece sua tese. Frederico Marques e Damásio
tentam inutilmente, com um malabarismo verbal, demonstrar que “não se pune o
aborto” equivale a “é lícito o aborto”.[4]
No entanto, ainda que a redação do
artigo 128, CP, dissesse claramente que algum aborto é “permitido”, haveria uma
outra questão a ser enfrentada: pode ser constitucional uma lei que autoriza a morte direta de um inocente? Como
conciliar essa suposta permissão para o aborto com uma Constituição que garante
a todos a “inviolabilidade do direito à vida” (art. 5º, caput, CF) e assegura à
criança tal direito “com absoluta prioridade” (art. 227, caput, CF)? Como
admitir que o Código Penal “permita” que a criança sofra pena de morte por
causa do crime de estupro cometido por seu pai, se a Constituição afirma
solenemente que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV,
CF)? E mais: como conciliar alguma permissão para o aborto com o reconhecimento
pelo Pacto de São José da Costa Rica de que o nascituro é pessoa?[5]
artigo 128, CP, dissesse claramente que algum aborto é “permitido”, haveria uma
outra questão a ser enfrentada: pode ser constitucional uma lei que autoriza a morte direta de um inocente? Como
conciliar essa suposta permissão para o aborto com uma Constituição que garante
a todos a “inviolabilidade do direito à vida” (art. 5º, caput, CF) e assegura à
criança tal direito “com absoluta prioridade” (art. 227, caput, CF)? Como
admitir que o Código Penal “permita” que a criança sofra pena de morte por
causa do crime de estupro cometido por seu pai, se a Constituição afirma
solenemente que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV,
CF)? E mais: como conciliar alguma permissão para o aborto com o reconhecimento
pelo Pacto de São José da Costa Rica de que o nascituro é pessoa?[5]
O dilema do aborto “legal”
Os defensores da tese do aborto “legal”
encontram-se diante de um dilema.
encontram-se diante de um dilema.
1. Se admitem que o artigo 128, CP, não permite o aborto, mas somente deixa
de aplicar a pena para o crime já consumado, renunciam a sua tese.
de aplicar a pena para o crime já consumado, renunciam a sua tese.
2. Se insistem em dizer que esse
artigo permite o aborto, então são
forçados a admitir que ele é inconstitucional. Se é assim, tal artigo
simplesmente não está em vigor. Ou seja, o criminoso que praticar o aborto
naquelas duas hipóteses nem sequer gozará da isenção de pena; sua conduta será
enquadrada nos outros artigos que incriminam e punem o aborto (arts. 124, 125 e
126, CP).
artigo permite o aborto, então são
forçados a admitir que ele é inconstitucional. Se é assim, tal artigo
simplesmente não está em vigor. Ou seja, o criminoso que praticar o aborto
naquelas duas hipóteses nem sequer gozará da isenção de pena; sua conduta será
enquadrada nos outros artigos que incriminam e punem o aborto (arts. 124, 125 e
126, CP).
Conclusão
A crença na teoria dos quatro elementos
durou muito tempo, mas não causou grandes prejuízos à humanidade. Ao contrário,
a crença na doutrina do aborto “legal” tem causado imensos danos à população
brasileira. Hospitais públicos têm-se especializado em praticar aborto quando a
gravidez resulta de um suposto estupro, médicos acham que são obrigados a
cumprir a “lei” (?) ou a “ordem” (?) judicial, autoridades policiais não instauram
inquérito para apurar os fatos, crianças inocentes são mortas em série...
Queira Deus que surjam novos juristas para destruírem essa crença tão
perniciosa.
durou muito tempo, mas não causou grandes prejuízos à humanidade. Ao contrário,
a crença na doutrina do aborto “legal” tem causado imensos danos à população
brasileira. Hospitais públicos têm-se especializado em praticar aborto quando a
gravidez resulta de um suposto estupro, médicos acham que são obrigados a
cumprir a “lei” (?) ou a “ordem” (?) judicial, autoridades policiais não instauram
inquérito para apurar os fatos, crianças inocentes são mortas em série...
Queira Deus que surjam novos juristas para destruírem essa crença tão
perniciosa.
[1] SANTO AGOSTINHO, Comentário ao
Gênesis, livro 7, cap. 21, n. 30.
Gênesis, livro 7, cap. 21, n. 30.
[2] Cf. RENÉ DESCARTES. O mundo (ou
tratado da luz), cap. V.
tratado da luz), cap. V.
[3] Marco Antônio Silva LEMOS, O
Alcance da PEC 25/A/95. Correio Braziliense, 18 dez. 1995, Caderno Direito e
Justiça, p. 6.
Alcance da PEC 25/A/95. Correio Braziliense, 18 dez. 1995, Caderno Direito e
Justiça, p. 6.
[4] Cf. CRUZ, Luiz Carlos Lodi da.
Aborto na rede hospitalar pública: o Estado financiando o crime. Anápolis:
Múltipla, 2007, p. 71-73.
Aborto na rede hospitalar pública: o Estado financiando o crime. Anápolis:
Múltipla, 2007, p. 71-73.
[5] Cf. art. 1º, n. 2 e art. 3º. Segundo
recente entendimento do STF, esse Pacto tem status “supralegal”, estando abaixo
da Constituição, mas acima de toda a legislação interna (cf. Recurso
Extraordinário 349703/RS, acórdão publicado em 05/06/2009).
recente entendimento do STF, esse Pacto tem status “supralegal”, estando abaixo
da Constituição, mas acima de toda a legislação interna (cf. Recurso
Extraordinário 349703/RS, acórdão publicado em 05/06/2009).
Fonte: www.providaanapolis.org.br
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