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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Você acredita no aborto “legal”?

Você acredita no aborto “legal”?:


Você acredita no
aborto “legal”?

uma crença
difícil de ser extirpada do meio jurídico

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

A crença nos quatro elementos

Fogo, ar, terra e água eram considerados
os elementos que formavam o universo material. Essa teoria, que remonta a
Empédocles (cerca de 490-435 a.C.), foi retomada por Aristóteles (384/385–322
a.C.) e permaneceu por séculos. Santo Agostinho (354-430) refere-se aos “quatro
conhecidíssimos elementos” [1] e Santo Tomás de Aquino (1225-1274) cita-os
inúmeras vezes em suas obras. René Descartes (1596-1650), o pai da filosofia
moderna e grande crítico de Aristóteles, não fez grandes mudanças nessa teoria;
apenas reduziu os quatro elementos a três, excluindo a água [2]. Foi sobretudo
a partir dos experimentos de Lavoisier (1743-1794) que os quatro elementos
foram abandonados, cedendo lugar à teoria atômica de Dalton (1766-1844).

A crença no aborto legal

Segundo uma teoria que remonta a Nelson
Hungria, o Código Penal brasileiro considera “legal” o aborto diretamente
provocado em duas hipóteses: (I) quando não há outro meio – que não o aborto –
para salvar a vida da gestante; e (II) quando a gravidez resulta de estupro e o
aborto é precedido do consentimento da gestante. Essa teoria vem atravessando
as gerações de juristas e tem sido passivamente recebida e mecanicamente
repetida pelos estudantes de Direito. Está tão consolidada que quem ousa
questioná-la é recebido com espanto. Tornou-se um dogma contra o qual não se
pode argumentar. Há, porém, uma diferença notável entre a teoria física dos
quatro elementos e a teoria jurídica do aborto “legal”.
Aborto legal nos EUA
A primeira apresentava-se como
plausível: não era possível demonstrá-la, mas também não se sabia como
refutá-la com o puro raciocínio. Somente com o emprego da balança na química
experimental, é que ela se mostraria inconsistente.
A segunda – a do aborto “legal” – não
requer dados experimentais para ser questionada. Pode ser refutada com o puro
raciocínio. Se ainda hoje grande parte dos juristas a aceita, é sobretudo
porque não se deu o trabalho de raciocinar.

Examinando criticamente o aborto “legal”

O estudioso de Direito precisa responder
a duas perguntas:
1) de fato o Código Penal “permite”
o aborto em alguma hipótese?
2) se “permitisse”, tal aborto
seria admitido pela Constituição Federal?
Quem examina atentamente o artigo 128 do
Código Penal não encontra uma redação que indique que algum aborto é
“permitido”. Lá nem sequer está escrito que algum aborto “não é crime”.
Afirma-se apenas que em duas hipóteses o crime do aborto “não se pune”:
Art.
128 - Não se pune o aborto praticado
por médico:
I
- se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II
- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
A redação é típica de uma escusa absolutória. O crime permanece,
mas a lei deixa de aplicar a pena ao criminoso. Algo semelhante ocorre com o
filho que furta dos pais (art. 181, CP) ou com a mãe que esconde seu filho
delinquente da polícia (art. 348, § 2º, CP). É o que explica Marco Antônio da
Silva Lemos:
Demais disso, convém lembrar, logo de
imediato, que o art. 128, CP, e seus incisos, não compõem hipóteses de descriminalização do aborto. Naquele
artigo, não está afirmado que ‘não constitui crime’ o aborto praticado por
médico nas situações dos incisos I e II. O que lá está dito é que ‘não se pune’
o aborto nas circunstâncias daqueles incisos. Portanto, em nossa legislação
penal, o aborto é e continua crime,
mesmo se praticado por médico para salvar a vida da gestante e em caso de
estupro, a pedido da gestante ou de seu responsável legal. Apenas — o que a
legislação infraconstitucional pode e deve fazer, porque a Constituição, como
irradiação de grandes normas gerais, não é código e nem pode explicitar tudo —
não será punido penalmente, por razões de política criminal.[3]
Como todo crime, o aborto cometido em
tais casos deve ser investigado por um inquérito
policial
. O médico só ficará isento de pena se, ao final, for comprovada a ocorrência
de alguma das hipóteses acima. De nada adianta um alvará judicial para
“autorizar” a prática do aborto (ou de qualquer outro crime). O único efeito do
alvará é tornar o juiz partícipe do delito.
Aliás, mesmo quando alguém mata em
legítima defesa (nesse caso se exclui não só a pena, mas o próprio crime), é
necessário que um inquérito policial
verifique se de fato o agente estava diante de uma agressão injusta e atual ou
iminente e se usou de meios moderados para repeli-la (cf. art. 25, CP). Não basta
a simples palavra do agente nem uma “autorização” prévia do juiz para praticar
o fato.
Alguns defensores da teoria do aborto
“legal”, como Mirabete e Magalhães Noronha, reconhecem que a redação “não se
pune” do artigo 128, CP, não favorece sua tese. Frederico Marques e Damásio
tentam inutilmente, com um malabarismo verbal, demonstrar que “não se pune o
aborto” equivale a “é lícito o aborto”.[4]
No entanto, ainda que a redação do
artigo 128, CP, dissesse claramente que algum aborto é “permitido”, haveria uma
outra questão a ser enfrentada: pode ser constitucional uma lei que autoriza a morte direta de um inocente? Como
conciliar essa suposta permissão para o aborto com uma Constituição que garante
a todos a “inviolabilidade do direito à vida” (art. 5º, caput, CF) e assegura à
criança tal direito “com absoluta prioridade” (art. 227, caput, CF)? Como
admitir que o Código Penal “permita” que a criança sofra pena de morte por
causa do crime de estupro cometido por seu pai, se a Constituição afirma
solenemente que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (art. 5º, XLV,
CF)? E mais: como conciliar alguma permissão para o aborto com o reconhecimento
pelo Pacto de São José da Costa Rica de que o nascituro é pessoa?[5]

O dilema do aborto “legal”

Os defensores da tese do aborto “legal”
encontram-se diante de um dilema.
1. Se admitem que o artigo 128, CP, não permite o aborto, mas somente deixa
de aplicar a pena para o crime já consumado, renunciam a sua tese.
2. Se insistem em dizer que esse
artigo permite o aborto, então são
forçados a admitir que ele é inconstitucional. Se é assim, tal artigo
simplesmente não está em vigor. Ou seja, o criminoso que praticar o aborto
naquelas duas hipóteses nem sequer gozará da isenção de pena; sua conduta será
enquadrada nos outros artigos que incriminam e punem o aborto (arts. 124, 125 e
126, CP).

Conclusão

A crença na teoria dos quatro elementos
durou muito tempo, mas não causou grandes prejuízos à humanidade. Ao contrário,
a crença na doutrina do aborto “legal” tem causado imensos danos à população
brasileira. Hospitais públicos têm-se especializado em praticar aborto quando a
gravidez resulta de um suposto estupro, médicos acham que são obrigados a
cumprir a “lei” (?) ou a “ordem” (?) judicial, autoridades policiais não instauram
inquérito para apurar os fatos, crianças inocentes são mortas em série...
Queira Deus que surjam novos juristas para destruírem essa crença tão
perniciosa.
[1] SANTO AGOSTINHO, Comentário ao
Gênesis, livro 7, cap. 21, n. 30.
[2] Cf. RENÉ DESCARTES. O mundo (ou
tratado da luz), cap. V.
[3] Marco Antônio Silva LEMOS, O
Alcance da PEC 25/A/95. Correio Braziliense, 18 dez. 1995, Caderno Direito e
Justiça, p. 6.
[4] Cf. CRUZ, Luiz Carlos Lodi da.
Aborto na rede hospitalar pública: o Estado financiando o crime. Anápolis:
Múltipla, 2007, p. 71-73.
[5] Cf. art. 1º, n. 2 e art. 3º. Segundo
recente entendimento do STF, esse Pacto tem status “supralegal”, estando abaixo
da Constituição, mas acima de toda a legislação interna (cf. Recurso
Extraordinário 349703/RS, acórdão publicado em 05/06/2009).
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