A história da guerra não é a história da moralidade, nos previne Victor Hanson Davis em seu livro Porque o Ocidente Venceu, da Editora Ediouro, 703 páginas. E é sob essa perspectiva que Hanson (também colunista neste site http://www.midiaamais.com.br/victor-davis-hanson) analisa os motivos que levaram o Ocidente a superar outros exércitos numericamente superiores ao longo da história. E, através dessa análise, destaca os grandes valores ocidentais que, ao lado da tecnologia e de armas superiores, fizeram da cultura ocidental uma cultura muito superior a de seus inimigos, tanto na guerra, como na paz.
Victor Hanson escreveu mais que uma
simples análise das estratégias militares e de recursos bélicos do
Ocidente, ele conseguiu analisar a estrutura que tornou o
desenvolvimento do Ocidente em um diferencial. Ou seja, em cada uma das
batalhas analisadas, demonstra como o governo, a economia de mercado, a
estrutura política, o desenvolvimento tecnológico, a ideia de liberdade
tiveram sérias consequências na defesa do individualismo, no
desenvolvimento tecnológico e para a história ocidental.
Dessa forma, no livro são analisadas nove grandes batalhas, divididas em três partes:
Criação - abrange as batalhas da antiguidade clássica, como Salamina, em que gregos guerrearam contra os persas (480 a.C); Gaugamela, onde os macedônios conquistaram os persas (331 a.C) e Cana, em que os romanos lutaram contra os cartagineses (216 a.C).
Continuidade - analisa as batalhas de Poitiers, em que os francos lutaram contra os árabes, impedindo o avanço pela Europa (732); Tenotchitlán, que foi decisiva para a conquista dos espanhóis sobre os astecas (1521) e Lepanto, em que uma liga cristão luta contra os turcos otomanos (1571).
Controle - disseca as batalhas do período contemporâneo, como Rorke’s Drifit, entre ingleses e zulus (1879), Midway entre americanos e japoneses na Segunda Guerra(1942) e a Ofensiva Tet, entre americanos e vietnamitas (1968).
Na primeira parte, Criação, é
demonstrado como os conceitos de individualismo e liberdade amplamente
difundidos na Grécia Antiga fizeram diferença para os hoplitas que
defenderam sua pátria contra um exército de escravos. Hanson tem a
percepção que falta a muitos historiadores ao perceber que, além da
disciplina, os soldados gregos tinham em si a busca pela liberdade. Não
essa liberdade que muitas vezes é usada apenas como discurso ideológico,
mas a liberdade prática, que evitaria que suas mulheres e seus filhos
se tornasse escravos para o Império Persa.
Dessa maneira, é em cima da ânsia pela eleutheria (liberdade), pelos valores políticos caros ao cidadão grego que o genial Temístocles elabora sua estratégia naquela que seria uma das mais sangrentas e fascinantes batalhas navais de todos os tempos: a de Salamina, entre gregos e persas.
A guerra para os gregos tem valor político e cultural, além da questão militar. Para os persas, não há motivação e sim coerção intensa dos generais, além da carga tributária. Nesse aspecto há um traço comum entre persas, otomanos e astecas: eles são uma imensa sociedade dividida em milhões de habitantes, governados por autocratas e coagidos por generais.
Em Salamina ou em Midway, centenas de séculos depois, a luta pela manutenção cultural, pelos valores cultivados, possuem um individualismo que torna-se uma máquina de guerra conjunta.
No caso da batalha que tingiu de vermelho o mar dos Estreitos de Salamina, tão bem narrada por Heródoto, a base racional e humanista permitia aos líderes ouvir seus oficiais. Esse diálogo, também está presente na conquista espanhola. No lado oponente, fosse ele persa, asteca ou japonês do século XX, dificilmente haveria essa liberdade de ação.
A batalha naval liderada por Temístocles não foi a única para libertar os gregos da ânsia de dominação dos persas. Mas, foi a decisiva. Não teria sido possível a vitória em Mícale, sem Salamina e Plateia. Foi a estratégia grega, aliada aos valores descritos que venceram o imenso e, numericamente, superior exército persa. Ou seja, Salamina é a prova de que povos livres lutam melhor que os escravizados, ainda que essa escravidão seja intelectual.
Dessa forma, a herança grega foi
definitiva para que Alexandre pudesse conquistar os persas na Batalha de
Gaugamela em 331a.C. Hanson destaca que, apesar de posteriormente o
imperador macedônio ter se orientalizado, seu estilo de batalha e
comando eram tipicamente ocidentais e dentro da organização bélica
ocidental, a liberdade de pensamento e ação era permitida e incentivada,
gerando sempre inovações no campo de batalha que surpreendiam o
inimigo. E, tal como acontecia com o exército grego, os homens de
Alexandre queriam a batalha, não eram meros escravos, opinavam sobre o
que estava acontecendo. A tal ponto de Alexandre discordar de seus
generais e ouvir seus soldados, andando por entre as tropas nas vésperas
de batalhas.
Mais uma vez, o profissionalismo do
exército liderado por Alexandre e suas questões táticas fizeram do modo
helênico de lutar, uma verdadeira máquina de guerra. Sem dúvida que o
pai de Alexandre, Felipe II, fez algumas alterações na falange grega,
dando nova importância a ela e tornando-a imbatível. É destacado no
livro que Felipe II trouxera para a guerra ocidental uma noção mais
sofisticada de guerra decisiva. E Alexandre aperfeiçoou esse legado para
conquistar os persas.
Um aspecto interessante, é que Alexandre, após suas conquistas acabou se orientalizando muito e tornou-se um déspota com tendências teocráticas que não foram positivas para seu império após a sua morte, facilitando a fragmentação do território. Mesmo assim, seus avanços em termos militares é de extrema importância para o Ocidente.
Hanson ainda faz mais uma análise
acerca da “criação” da máquina de guerra ocidental: a Batalha de Canas,
em 216 a.C. Detalhe: nessa batalha não foram os ocidentais os
vencedores. Então, por quê analisar justamente, dentro do episódio das
Guerras Púnicas [2], uma das derrotas mais traumatizantes que já foi registrada na história ocidental?
Justamente por causa dos fatos seguintes, que levariam Roma à sua vitória final 70 anos depois.
Ao analisar as causas da derrota, Hanson evidencia que, naquela batalha especificamente, os romanos tinha sério problemas com a idade dos soldados e o comando não estava consolidado, gerando problemas, estratégicos, mesmo o exército numeroso e possuidor de melhores armas. A narrativa é de Políbio e chega a ser chocante a forma como ele descreve os jovens soldados que nem chegaram a ser enterrados e tiveram seus corpos putrefando durante vários meses.
Ao ressaltar esse dado terrível de uma derrota, o autor destaca que: “A pior derrota em um único dia na história de qualquer força militar não alterou em nada o desfecho final da guerra. A simples estupidez simbolizada por generais incompetentes e táticas ruins neutralizara a vantagem intrínseca dos exércitos ocidentais. (...) No final, isso tudo fez bem pouca diferença” [3]
Ou seja, a maior lição de Canas é que não foi apenas o propalado gênio tático do general cartaginês Aníbal que fez toda a diferença. Foi também o exército inexperiente e mal conduzido dos romanos. No entanto, diante do massacre de Canas, a sociedade romana se mobilizou e estimulou mais cidadãos a irem para a batalha; ou seja, mesmo com tantos mortos, o exército se renovou.
Dessa forma, outra característica fica bem evidente no modo de guerrear do Ocidente: uma batalha perdida é realmente apenas uma batalha. A guerra é muito mais ampla. Tanto que é possível perceber isso nas análises subsequentes.
Na parte que é chamada de continuidade,
Hanson assim justifica a escolha do nome através de batalhas que vão
desde o alto medievo (Batalha de Poitiers - 732) e duas da época
moderna, pois nas três há aspectos que evidenciam a noção de civilidade
dentro da guerra herdados da Roma Antiga.
Dessa forma, a Batalha de Poitiers de
732, também conhecida por Batalha de Tours, é extremamente importante,
não apenas pela questão de ter impedido o avanço dos árabes muçulmanos
para dentro do continente europeu, como também representou a manutenção
de muitos valores ocidentais que seriam difundidos por toda a Europa da
época. É consenso entre os historiadores que a Europa tem sua gênese
muito fincada no medievo.
E, analisando por esse aspecto, quando Carlos Martel se apropria do jeito romano de lutar e chama para a batalha homens livres, é a continuidade dos valores ocidentais colocados em evidência.
É claro que o exército de Carlos Martel não era tão disciplinado, nem tão grande quanto um exército consular romano, mas a maneira como seus lanceiros e espadachins pesadamente armados foram recrutados, mostrava bem essa relação com o passado.
Dessa forma, quando os europeus,
durante a expansão marítimo comercial, chegaram ao território americano,
não havia um outro objetivo a ser atingido a não ser vencer. Isso fica
muito claro na conquista da cidade asteca de Tenotchitlán.
Tal como Poitiers, a conquista dos astecas está ligada ao processo de continuidade da estratégica bélica ocidental. Dessa maneira, Hanson analisa esse episódio sob a ótica da superioridade tecnológica e do sentido da guerra para o ocidente. Ou seja, as condições para os espanhóis eram muito mais complicadas que o senso comum costuma supor. Tanto que os homens de Cortés ficaram sitiados de 24 a 30 de junho de 1520, em uma das situações mais tensas enfrentadas pelos espanhóis na América. Muitos homens foram abatidos nesse período. Outros tantos foram executados (sacrificados) e muitos morreram em decorrência de doenças tropicais.
O que fez toda a diferença foi o conceito de guerra. Hanson nos chama a atenção para a grande diferença que existia entre a guerra teatral dos astecas e a guerra para vencer dos espanhóis. Os astecas não faziam armas para eliminar o exército inimigo; não se tinha a noção de ser perder uma batalha e voltar para o combate posteriormente. Dessa maneira, quando os espanhóis não só voltam para a batalha, como fazem um certo estratégico e ainda se aliam aos inimigos dos astecas (povo que dominava e sacrificava seus vizinhos), a reação foi dispersa e ineficaz. Cortés sofreu todo tipo de resistência, mas as superou se utilizando da tecnologia e estratégia tipicamente ocidentais.
Na última parte, intitulada Controle, a
análise parte da batalha de Rorke’s Drifit, em 1879, entre zulus e
britânicos, na África. Essa batalha foi precedida por uma episódio muito
parecido com La Noche Triste em que os espanhóis foram quase vencidos
pelos astecas. No caso dos britânicos, o massacre de Isandhlwana, em que
houve uma desastrosa derrota, apesar de todas as condições para que a
vitória fosse a consequência natural. E, tal como aconteceu em Canas ou
com os espanhóis na conquista dos astecas, após uma derrota aviltante,
segue-se uma vitória exemplar. No caso de Rorke’s Drifit, havia um
número muito reduzido de homens britânicos em relação aos guerreiros
zulus e eram muito maiores as chances de uma carnificina.
É desse aspecto que se tiram algumas conclusões, como a de que guerreiros não são soldados. Ou seja, é preciso muito mais que coragem para que uma batalha seja vencida, é necessário disciplina e ordem. Como os soldados britânicos demonstraram ao organizar o acampamento de tal forma que conseguiram, durante uma noite toda, conter os avanços dos zulus. Tal como em Tenotchitlan, o conhecimento tecnológico fez diferença, inclusive na questão da defesa e do ataque, usando sacos para construir um muro de proteção. Ou seja, estratégia e tática perfeitas. Os zulus não conseguiram resistir à forma ocidental de guerrear.
Algumas considerações valem a pena
sobre todo esse contexto: não adianta os povos rivais terem a mesma
tecnologia dos Ocidentais. A combinação de ideologia, tática, estratégia
e tecnologia é que fizeram a diferença. E, acima de tudo, liberdade.
Isso fica bem evidente na mais terrível batalha já travado em mar
aberto: a de Midway, entre Estados Unidos e Japão, em 1942.
O Japão havia se ocidentalizado em muitos aspectos, mas não me suas instituições políticas. A guerra nos moldes ocidentais baseia-se nos valores sociais e políticos que vão além da posse tecnológica de armas. É preciso que exista a livre investigação, método científico e produção de conhecimento. Ou seja, o Japão nunca teve uma visão política que estimulasse o individualismo.
Em uma batalha tensa, equilibrada, a ação individual faz toda a diferença. E em Midway fez muita diferença. Um outro aspecto foi o fato de que, a inegável vantagem de todos os porta-aviões japoneses carregarem torpedos ao invés de bombas foi neutralizada pela confusão neutralizada nos conveses de decolagem.
Isso evidencia que batalhas raramente levam boas políticas em consideração. O ritmo é muito mais rápido, o que exige uma adaptação imediata e a ortodoxia nipônica pôs tudo isso a perder.
Conclusão: havia uma rígida hierarquia e uma submissão completa do indivíduo ao imperador japonês. Mais um caso em que a cultura ocidental fez toda a diferença.
A última batalha a ser analisada é a
encarnação do conceito de paradoxo: a Ofensiva do Tet, durante a Guerra
do Vietnã. Hanson se utiliza dessa batalha para analisar todas as
questões envolvidas na guerra do Vietnã, principalmente o papel do
sensacionalismo da imprensa que acabou por causar comoção nacional e,
dessa forma, ser decisiva na retirada das tropas americanas da guerra.
Hanson avalia o poder de fogo americano e a forma confusa utilizada pelos vietnamitas para atacar a embaixada americana em Saigon e como isso foi divulgado pela imprensa como algo negativo, ignorando que a estratégia comunista matou milhares de inocentes.
É possível observar nessa última análise o quanto a imprensa foi manipuladora em suas imagens, nas entrevistas e como o efeito foi devastador para a opinião pública americana que alternava entre a compaixão com os vietnamitas do norte mortos e a condolência sentida pelos soldados americanos que morreram. Claro que esses aspectos não levam nenhum exército à derrota, mas assustam governos sob a pressão das eleições.
O autor compara essas situações às enfrentadas pelos atenienses durante a Guerra do Peloponeso e, através dessa argumentação, demonstra como os ocidentais pagam o preço pela liberdade de se dizer o que se quer. Justamente por isso é que o capítulo sobre o Vietnã é iniciado com a crítica de Tucídides à inconstância ateniense e à falta de apoio à expedição que atacaria a Sicília. O ensinamento de Tucídides vale para o que se vê ainda hoje, pois o historiador grego acreditava que “os siracusanos haviam se revelado guerreiros tão bons contra Atenas porque eram uma sociedade livre e democrática igual aos atenienses. Ele concluiu que as sociedades livres são as mais resistentes na guerra.”[4]
Um detalhe que chama a atenção no caso da Guerra do Vietnã foi a imprensa totalmente parcial e os atores que se diziam pacifistas, como por exemplo a Jane Fonda, que acabaram por inspirar o lado inimigo a resistir; Hanson analisa que era a primeira vez na história bélica ocidental que havia pessoas ao lado dos inimigos de guerra.
Outro aspecto que merece destaque é a mitologia acerca da guerra que foi amplamente divulgada pela imprensa sobre a disseminação do uso de drogas entre os combatentes e a intensidade do stresse pós-traumático sofridos pelos soldados americanos.
Hanson demonstra com fatos e dados que, na média, os veteranos se adaptaram muito bem na reintegração à sociedade, apesar da dureza dos combates, já que o tipo de ataque vindos dos comunistas era sorrateiro e as condições de guerra, horrorosas.
A imprensa divulgava apenas o que era mais sensacionalista tanto que o jornalista francês Jean Lacouture admitiu que foi a ideologia, não a verdade, que orientou grande parte das reportagens sobre a guerra.
Enfim, a Guerra do Vietnã foi um conflito em que esteve presente o medo dos políticos diante da pressão popular; a manipulação da imprensa e a incompetência do alto comando militar norte-americano. No entanto, apesar disso tudo, ainda é possível vislumbrar todos os aspectos positivos da tradição ocidental, principalmente na disciplina que produz excelentes soldados.
O livro é encerrado com um epílogo que
reforça o legado greco-romano na formação das instituições ocidentais
que tornaram esse modo de guerrear mortífero. O autor ainda faz uma
rápida reflexão sobre o futuro desse legado ocidental, analisando que a
guerra pode ser fatal quando um ocidental enfrenta outro. Para
completar, uma sugestão de leitura complementar para cada capítulo e um
glossário que ajuda o leitor a compreender todos os pontos analisados no
livro. Por todas essas reflexões, a obra é, com certeza, uma referência
obrigatória para os que querem compreender a estrutura da geopolítica
atual.
Em tempos em que a imprensa não possui diversidade de análise e há um comprometimento com agendas esquerdistas, análises com a profundidade demonstrada por Victor Hanson são uma luz real no fim do túnel.
[1] HANSON, Victor D. Porque o Ocidente Venceu. Massacre e Cultura - da Grécia ao Vietnã. Ed.Ediouro. pág. 41.
[2] Guerras pela
disputa do Mediterrâneo, ocorridas entre 264 a.C a 146 a.C. Roma não só
conseguiu vencer, como destruir a cidade de Cartago, localizada no norte
da África, tanto que é símbolo da vitória romana a frase Delenda est
Cartago (Destrua Cartago).
[3] HANSON, Victor Davis. Porque o Ocidente venceu. Ed. Ediouro. página 192.
[4] HANSON, Victor Davis. Porque o Ocidente venceu. Massacre e cultura - da Grécia antiga ao Vietnã. pág 622.
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