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terça-feira, 7 de junho de 2011

Um banco muito especial ou ciranda, cirandinha…


Sabem qual é a maior instituição financeira da economia brasileira? O Tesouro Nacional, ele mesmo. Não há nenhuma outra que detenha, como o TN, um volume de crédito equivalente a 14% do PIB (final de abril), diretamente contra bancos oficiais federais ou através de fundos e programas. Destes, o Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT é o maior de todos (3.9% do PIB na rede bancária). Mas existem outros importantes, como os fundos de desenvolvimento regional ou os setoriais (por exemplo, da marinha mercante). Se fosse incluída a dívida renegociada com estados e municípios (11.5% do PIB), o total de crédito do Tesouro seria superior a 25% do produto.
A rigor, o Tesouro não é um banco, mas o fato é que fornece crédito como se fosse – firma contratos de empréstimos, com juros, prazos, etc. Não sei quanto outros Tesouros fazem isso no mundo; afinal, não é sua função precípua, talvez nem secundária. Por analogia, poderíamos equiparar o Tesouro brasileiro a um banco muito especial.
Em uma de suas modalidades de operação como instituição financeira, o Tesouro começa captando empréstimos no mercado, mediante a emissão de títulos da dívida pública, à taxa SELIC, que é a taxa básica de juros da economia. Empresta então, ao BNDES, a uma taxa bem menor, chamada Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP. O total desses créditos especiais do Tesouro às instituições financeiras oficiais é enorme: equivalia a 6.8% do PIB no final de abril.
No final de 2010, o passivo do BNDES junto ao Tesouro Nacional já era de 51,4% do total do passivo do banco (fora o FAT constitucional), o que indica que aquele banco se torna cada vez mais um braço de operação do Tesouro Nacional.
Na aparência, essa operação não eleva a dívida pública brasileira, que costuma ser medida pelo conceito líquido, que é o utilizado no Brasil (mas o resto do mundo privilegia o conceito de dívida bruta). Em termos da dívida líquida, o passivo gerado pelo dinheiro que o Tesouro tomou no mercado é contrabalançado pelo ativo do empréstimo feito ao BNDES. Tudo zerado, maravilha.
Acontece que há um subsídio implícito na operação, pois a taxa SELIC (referência para o que o Tesouro deve) é bem mais alta do que TJLP (que remunera seu crédito) – neste ano tem sido mais de 100 por cento superior. Ou seja, o Tesouro paga uma taxa de mais de 12% ao ano para se financiar e empresta ao BNDES a uma taxa de 6% ao ano. Esse subsídio é pago por toda a sociedade, mas beneficia apenas quem toma empréstimos no banco oficial com taxas especiais. Seu montante foi estimado em cerca de 15 bilhões de reais pelo economista Mansueto de Almeida, mesmo antes de a SELIC voltar a ser elevada. Trata-se de uma despesa explícita que não é aprovada, como tal, no Orçamento Geral da União, além de atentar contra a boa transparência das contas públicas.
Mas há um segundo custo, orçamentário, apontado pelo Mansueto, no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), como o que decorre da equalização de taxas do Programa de Financiamento às Exportações Brasileiras (PROEX) ou mesmo das equalizações de taxas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Embora o Ministro da Fazenda já tenha declarado que o custo desse subsidio monta a R$ 5 bilhões por ano, os pagamentos correspondentes, estranhamente, não apareceram até o momento nas tabelas de gasto do Tesouro Nacional. Esse custo orçamentário, quando somado ao subsídio implícito indicado acima, aponta para um custo total de, no mínimo, R$ 20 bilhões ao ano.
Há um outro aspecto relevante, que não tem sido apontado. Quem empresta para o Tesouro, comprando seus títulos? São instituições financeiras e empresas brasileiras que neles aplicam suas disponibilidades de caixa. Mas, ao mesmo tempo, muitas delas tomam empréstimos junto aos bancos federais que recebem o dinheiro do Tesouro. Ou seja, o Tesouro se endivida junto a empresas que tomam o crédito subsidiado dos bancos oficiais alimentados pelo próprio Tesouro. Bela ciranda.
Muitas empresas têm dinheiro para se expandir, mas preferem fazê-lo com financiamento subsidiado do BNDES e aplicar seus recursos próprios a uma taxa de juros maior. Seria um círculo perfeito não fosse vicioso, pois há aquela brutal diferença entre os juros pagos pelo Tesouro e os recebidos por ele e por seus bancos. O próprio BNDES tem o prazer de entrar nessa ciranda, pois elevou sua tradicionalmente pequena carteira de títulos públicos para além de R$ 25 bilhões em 2010!
Ciranda, cirandinha, vamos só alguns cirandar… Os outros, a sociedade quase inteira, só entra na roda para pagar.
PS – Note-se que há mais papéis públicos em mercado do que o total apontado como dívida pública líquida, conceito oficial para medir o endividamento público: 42.3% em dívida mobiliária direta do Tesouro mais 9.9% em operações compromissadas do Banco Central (final de abril).

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