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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A tolice de supor que Dilma é estrela de uma “glasnost” petista. Ou: quando o crime compensa


A presidente Dilma Rousseff é tratada por alguns analistas como se fosse a protagonista de uma “glasnost” petista. Se Lula flertava com mecanismos de censura à imprensa, a ela se atribui o repúdio a qualquer iniciativa nesse sentido; se Lula dava o braço a tiranos do mundo inteiro, ela diz que a política de direitos humanos é central no seu governo; se Lula era um gastão, ela acena com corte de R$ 50 bilhões  — corte que não ocorrerá, mas vá lá: ainda que ocorresse, o Orçamento de 2011, mesmo assim, seria quase 10% maior do que o do ano passado; se Lula era falastrão e autocentrado, ela é econômica nas palavras e pensa no conjunto; se Lula, enfim, era um ignorante intuitivo, ela é uma letrada racional. Bem, assim seria se assim fosse. Mas vocês sabem que essa é a fantasia que anda por aí, o que leva muita gente a se dizer “surpresa com o desempenho de Dilma.

Quero chamar a atenção de vocês para algo importante: essa “glasnost” — que é, obviamente, mentirosa — convive com o brutal fortalecimento do PT no governo Dilma. O partido é muito mais poderoso agora do que era sob Lula e tem sabido trazer os aliados em rédeas relativamente curtas. O PMDB dá um pouco mais de trabalho, mas o fato é que também ele perdeu poder no terceiro mandato do PT, embora tenha o vice-presidente da República.

Enquanto Dilma enganava Arnaldo Jabor, provando, segundo ele, que ela não é uma costela de Lula, o PT ia assumindo um peso na administração incompatível com o seu tamanho no Congresso e mesmo com a força de seus aliados nos estados. Desde que chegou ao poder em 2003, a máquina partidária nunca foi tão forte com é agora e nunca esteve tão presente na administração. Como demonstra reportagem na VEJA desta semana, até os aliados reclamam. Um deputado do PSB fez as contas: com seis governadores, seu partido tem dois ministérios e administra R$ 5,4 bilhões do Orçamento; os 17 do PT correspondem a… R$ 164,2 bilhões! Mais de 29 vezes maior!

Essa é uma das evidências de que a “glasnost” dilmista é conversa para enganar jornalistas e cineastas — uma boa parte deles ao menos. Mas não é a única. O PT está num franco movimento para reintegrar Delúbio Soares, o tesoureiro que virou símbolo do mensalão. Com efeito, houve certa injustiça em transformá-lo no bode expiatório: os crimes nunca foram apenas seus. Ele era um funcionário do partido e agia segundo as ordens da cúpula partidária, de que Lula sempre foi o chefe inconteste. Delúbio ter saído da história como a Geni do Chico Jabuti, e Lula, como o demiurgo, o redentor dos oprimidos, é desses milagres que só o PT pôde realizar — não sem contar com a ajuda de setores da imprensa, que sempre se negaram a tratar Lula como um político comum.
A reinserção de Delúbio no partido vem junto com a afirmação canalha de que o mensalão nunca existiu. Tudo teria sido uma conspiração das oposições com a mídia para depor o governo Lula. Em sua volta à cena, há dias, quando reassumiu a condição de presidente de honra da sigla, o Babalorixá de Banânia insistiu nessa tese. Agora é Marco Maia (RS), presidente da Câmara, quem pede a volta do velho companheiro. O julgamento do mensalão no STF deve ficar para o ano que vem. Até lá, o partido espera que a negação da história ganhe mais adeptos. No ambiente da reforma política, pretende-se aprovar o financiamento público de campanha — uma forma a mais de bater a certeira do eleitor — justamente como suposto antídoto a coisas como o mensalão, como se este fosse a conseqüência de um modelo ruim de custeio da política, uma fatalidade decorrente do modelo, não uma escolha consciente de vigaristas que não respeitam a lei.

É claro que o petismo não articula a volta de Delúbio só para ser justo e generoso com o companheiro. Desde sempre, o ex-tesoureiro é o homem que sabe demais, o arquivo vivo. E já amarga quase seis anos de ostracismo — embora esteja longe de viver uma vida difícil, é evidente. Quem tem os padrinhos que Delúbio tem não morre pagão, certo? O fato é que ele quer voltar a ser considerado um “petista de bem” ao menos dentro do partido. Se realmente bater o pé, poucos se atreverão a lhe dizer “não”. Quem tem PT tem medo.

Essa Dilma “menos petista” que setores da imprensa inventaram — reitero: é uma  construção falsa; basta ver quantos cargos ela deu ao partido — serve perfeitamente aos propósitos de “reunificação” do PT, recolhendo os companheiros que tiveram de ficar pelo caminho. É como se ela fosse uma coisa — a “rainha”, lembram-se? — e o partido, outra, de sorte que decisões polêmicas da legenda não guardariam qualquer intimidade com a administração. Assim seria se assim fosse; assim seria se o governo federal, as autarquias, as estatais, as fundações e os fundos de pensão não estivessem coalhados de companheiros — companheiros de Delúbio.

Inexiste uma “glasnost” petista, com Dilma no lugar de Gorbatchev (até porque a referência é, a seu modo, desastrosa), e Lula como estrela da Velha Guarda. Isso é de uma bobagem monumental. Tirados o glacê e as construções da marquetagem, o que se tem é o contrário: o PT nunca teve tal domínio da máquina pública e nunca esteve tão disposto a chamar de virtudes os seus crimes.

Se alguma dúvida ainda houvesse, ela se dissiparia assim: Jeter Ribeiro de Souza, ex-gerente da Caixa Econômica que acessou ilegalmente o sigilo do caseiro Francenildo Costa, foi nomeado assessor especial de Dilma. O nome do cargo: “Assessor do gabinete-adjunto de Informações em Apoio à Decisão da Presidente.”  Uau! Quem assinou a nomeação foi a Casa Civil, cujo chefe é Antonio Palocci, que era o único interessado na quebra daquele sigilo.

Espero que Arnaldo Jabor não fique chateado ao descobrir que, também no governo Dilma, o crime compensa.

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