Que o governo faz campanha eleitoral desavergonhada em favor de sua candidata, as seis multas aplicadas pelo TSE a Lula e as quatro a Dilma o evidenciam de sobejo. E assim é porque, entendo, os juízes às vezes são bastante lassos nos critérios. Mereciam muito mais. Os multados recorreram de todas elas — podem até ser punidos em definitivo, ali pelas calendas, mas não vinham admitindo o crime até agora. O caso das cartilhas produzidas pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, no entanto, traz a confissão de um crime. Trata-se de uma confissão dupla, na ida e na volta. Explico-me.
Para quem não sabe, a tal secretaria, que só agora prova que existe — ao menos para fazer campanha —, mandou confeccionar 215 mil cartilhas, 3 mil livros e 20 cartazes que pregam a necessidade de haver mais mulheres no poder. O mais escandaloso é que tudo foi produzido com o dinheiro de um convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). A ONU deu dinheiro para programas sociais, e ele foi usado em benefício de um partido.
Muito bem: distribuir agora esse material poderia caracterizar, vá lá, campanha disfarçada para Dilma Rousseff (PT) e para Marina Silva (PV), as duas mulheres da disputa. Mas a secretaria é zelosa de seu vício e quis eliminar qualquer dúvida. No livro, há um discurso de seis páginas de autoria da petista. Em sua defesa, a secretaria alegava que o livro foi produzido em 2009 e o resto do material em 2008. Ainda que seja verdade, a ordem para a impressão foi dada em maio. A cartilha se chama “Mais Mulheres no Poder Plataforma 2010″ e traz uma urna eletrônica na capa, com destaque para o botão “Confirma”.
Afirmei que, desta vez, temos a confissão do crime “na ida e na volta”. Por quê? Ora, o material não poderia ser mais explícito. Dispensa-se a interpretação. Dilma anunciou que seria a candidata do PT à Presidência no congresso do partido, no dia 20 de fevereiro. E há um discurso seu no livrinho impresso em maio e distribuído em julho. Fim de papo. Mas há também a confissão na “volta”. O que isso quer dizer?
O comando da campanha eleitoral de Dilma pediu, acreditem!, para o governo suspender a distribuição do material. E o governo fez o quê? Suspendeu, ora essa! Vamos usar a lógica, como sempre, para analisar o comportamento desses brutos:
1 - se o material não era parte da campanha eleitoral, então a distribuição deveria ter continuado, certo? Os oposicionistas que recorressem à Justiça, e o governo tentaria provar a legitimidade de sua decisão;
2 - se a distribuição foi suspensa a pedido do PT, então se evidenciam duas coisas:
a - o partido dá as ordens no governo para fazer e para não fazer;
b - confessa-se o crime — no caso, abuso de poder. Afinal, por que suspender algo legal? Não é, certamente, para agradar as oposições.
2 - se a distribuição foi suspensa a pedido do PT, então se evidenciam duas coisas:
a - o partido dá as ordens no governo para fazer e para não fazer;
b - confessa-se o crime — no caso, abuso de poder. Afinal, por que suspender algo legal? Não é, certamente, para agradar as oposições.
Segundo apurou o Estadão, Márcio Silva, advogado da campanha de Dilma, mobilizou o Advogado Geral da União — o Adams, da família Luís Inácio — pedindo que se interrompesse a distribuição dos kits. E a decisão foi tomada. Isso tudo aconteceu de manhã. À tarde, houve uma conferência de mulheres em Brasília, e o kit foi distribuído …
O Planalto nega que se tratasse de campanha eleitoral — por que a ordem de suspensão, então? A justificativa? A impressão foi feita em maio, quando Dilma não era, ainda, oficialmente candidata. Como escrevo acima, ela assumiu a candidatura no dia 20 de fevereiro. Seu discurso de então está publicado neste blog, na seção “Documentos”.
É evidente que o governo já fez coisas piores — e mais caras ao contribuinte — em favor de Dilma. Mas sempre encontrava alguma desculpa, alguma saída. Desta vez, não havia escapatória: o crime estava ali, em letra impressa. A evidência se fez escandalosa até para eles. Demonstrando, então, que manda imprimir e recolher, o PT mobilizou o Advogado-Geral da União.
O episódio, entendo, tornou-se um emblema da campanha oficial: vale rigorosamente tudo, só não vale perder — como se, nas democracias, as derrotas e as vitórias não tivessem estruturalmente a mesma importância. Uma se define em razão da outra. Aos vitoriosos, cabe governar; aos derrotados, vigiar. Aos vitoriosos cabe governar segundo as regras para que a vigilância dos adversários não os desmoralize. Aos derrotados cabe vigiar segundo os interesses do país para que a derrota não se transforme em sabotagem.
Os petistas nunca souberam perder — e, invariavelmente, escolheram o caminho da sabotagem. As reiteradas vezes em que votaram contra o país (*) para atingir o adversário o provam. Mas os petistas também não souberam ganhar, como evidenciam os oito anos de governo Lula. No terreno da política, eles tentam fazer a democracia voltar para trás. Transgridem os limites legais sem qualquer cerimônia. Lula o fez numa solenidade a que estava presente o presidente do TSE, Ricardo Lewandowski — quando, supostamente, desculpava-se por crime anterior. Tentou botar um nariz vermelho, daqueles de plástico, na cara do ministro. Não sabem ganhar, também, porque não querem confrontar a oposição e vencê-la no debate. Preferem esmagá-la e, se possível, eliminá-la. O nome disso é ódio à democracia.
(*) Não estou satanizando o PT ao afirmar que ele “votava contra o país”. Eu provo! No governo, o partido passou a defender, em nome dos interesses nacionais, propostas contra as quais votara ou que combatera arduamente. Logo, opunha-se ao que, admitiu depois, eram os… interesses nacionais. E isso é atuar contra o país. O nome disso é sabotagem. Se houver algum furo lógico no texto, é só apontar. Terei muito prazer em examiná-lo.
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