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sexta-feira, 21 de maio de 2010

Anatomia do fracasso da política externa


O Globo - 20/05/2010

As brechas no acordo fechado por Brasil e Turquia no Irã e, principalmente, a rápida reação das potências nucleares em apoio às sanções ao regime dos aiatolás revelam alguns aspectos estruturais da política externa de Brasília, seguida desde 2003. O governo Lula tem o legítimo e correto objetivo estratégico de aumentar a influência mundial do país. Mas o que aconteceu no Irã é trágico desse ponto de vista, ao demonstrar, em meio ao açodamento do governo brasileiro, o desejo de postergar a adoção de sanções ao país, forma de ajudar o regime ditatorial iraniano a ter armas nucleares.

Se o desastre coloca o Brasil ainda mais longe do assento de titular no Conselho de Segurança, do ponto de vista da intenção pessoal de Lula de se arvorar como liderança mundial de grande envergadura, ele é patético e vexaminoso. Pode-se dizer que a diplomacia do Itamaraty do B, devido a uma mistura de arrogância e autismo, ultrapassou a autonomia de voo e perdeu sustentação.

Lula mudou os rumos da política externa em busca de projeção do país, de abertura a novos aliados e mercados. Mas não o fez apenas com as poderosas armas da eficiência e do profissionalismo da diplomacia brasileira, consagrada pela moderação e equilíbrio. Lançou mão de uma forte dose de ideologia terceiromundista ultrapassada, com cheiro de esquerdismo do pósguerra, tendo como alvo prioritário hoje se vê o confronto sistemático com os interesses americanos.

Lula alçou voo no cenário mundial por sua trajetória política e desembaraço no trato dos assuntos externos e no contato com os outros líderes. Mas, a partir de certo ponto, quando o fator ideológico ultrapassou de vez o bom senso, começou a criar constrangimentos.

Ainda no início do primeiro mandato, a diplomacia brasileira fechou as portas à Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas), uma proposta americana que o lulismo julgou ameaçadora. Não ocorreu ao governo brasileiro negociar para melhorar o projeto surgido em Washington. Brasília preferiu apostar tudo na Rodada de Doha de negociações multilaterais de comércio, sem sucesso. Ficou sem Alca e sem Doha.

Com o fracasso da rodada multilateral, o mundo acelerou o fechamento de acordos bilaterais, enquanto o Brasil ficou preso às suas concepções ideológicas. Também por ser do Mercosul, o país só pode fechar acordos em bloco. Na prática, fez-se apenas um, irrelevante, com Israel; e só agora se retomam negociações com a União Europeia. Além disso, o Brasil trabalha para que a Venezuela de Hugo Chávez se torne membro pleno do Mercosul, o que, no mínimo, inviabilizará qualquer negociação comercial que envolva os EUA, a maior economia do mundo.

Outra das consequências funestas desta política externa foi solapar as credenciais do Brasil como mediador confiável dos conflitos regionais, ao se trair ideologicamente no silêncio diante de novos crimes contra os direitos humanos em Cuba, na conivência com a tentativa de golpe bolivariano em Honduras e na militante conivência com o autoritarismo histriônico chavista em geral.

A política externa não constará do balanço dos melhores momentos da Era Lula.
Não escapa do desastre e do vexame sequer o projeto pessoal de Lula

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