Eis que me chega às mãos, por motivos vários, um livrinho realmente precioso chamado “Jornalismo Político”. Seu autor é Franklin Martins — sim, o próprio. Ele o publicou pela editora Contexto, em 2005, quando ainda era jornalista. Vamos ver o que nos ensinava a Escolhinha do Professor Franklin Martins.
Na introdução, depois de falar da experiência de 40 anos em todas as mídias, em pequenas e grandes empresas, na clandestinidade e ao ar livre, Franklin diz que chegou à conclusão de que pode ajudar a juventude a entender melhor o tema. É um livro direitinho. Até meio bobinho. Começa com uma comparação entre a imprensa de 1950 e a de 2002. Comparam-se manchetes, e a conclusão é sempre título dos capítulos. “1950: os jornais entram em campanha”; “2002: a imprensa cobre a campanha”; “Mais notícia e menos opinião para um leitor mais plural”. E por aí segue. Na página 93, há uma preciosidade. Gostaria de saber se ele próprio suportaria a leitura em voz alta. Leiam o que escreve em “Denúncias e Escândalos” (vai em vermelho; comento em azul):
Mas não é só durante as CPIs que a cobertura política parece cobertura de polícia. Faz parte do nosso cotidiano também investigar denúncias sobre irregularidades na administração pública, desvios de recursos, armações em concorrências e negócios escusos com dinheiro do Estado.
O “nosso”, vocês entenderam, refere-se aos jornalistas — ele ainda era um deles. Pelo visto, tal trabalho era uma rotina quando o PT estava na oposição. Quando se tornou governo, aí a investigação jornalística passou a fazer parte de uma conspiração golpista.
Algumas vezes as denúncias referem-se a mordomias indevidas, deslizes com cartões de crédito e passagens aéreas ou uso de aviões da FAB em viagens de lazer. Não são irregularidades capazes de quebrar o país, mas nem por isso a imprensa deve deixá-las de lado. A sociedade tem o direito de saber como o dinheiro público é gasto e se as normas de moralidade que devem reger a administração do Estado estarão sendo obedecidas.
Viram? Era assim quando FHC era governo. Cumpria ao jornalismo o rigor máximo. Quando Lula chega ao poder, apurações dessa natureza passam a ser acusadas de “udenismo” e “desvio de direita”, e a imprensa é tratada como “partido de oposição”.
Ministros de Fernando Henrique viajaram em aviões da força Aérea para férias em Fernando de Noronha. Está errado. Os regulamentos são claros: os jatinhos só podem ser usados a serviço. Nos jardins do Palácio da Alvoradas foram plantadas flores formando uma estrela do PT? Também não pode. Governo é governo, partido é partido. Prédios públicos não podem exibir símbolos e inscrições partidárias.
Franklin, então, ainda se esforçava, para ser um jornalista equilibrado, isento, com críticas aos dois lados e tal… Não sei exatamente em que mês de 2005 o texto foi publicado. Sei que é o ano em que vem à tona a denúncia do mensalão e também aquele em que ele começa a se despedir da carreira jornalística. A Folha publicou a entrevista com Roberto Jefferson no dia 6 de junho. A gente conhece o resto história. O “professor” Franklin Martins dedica-se, então, à tarefa de negar que o mensalão tenha existido, adota a tese de que o PT nada mais fez do que o que todos sempre fizeram e passa a flertar com os que acusam a cobertura da lambança de golpismo.
Normalmente, as autoridades flagradas nessas derrapadas ficam irritadíssimas com a imprensa. Acusam-nos de fazer tempestade em copo d’água, dando importância excessiva a assuntos menores. Muitas vezes, rompem relações com o repórter responsável pela matéria ou dão instruções aos assessores para deixarem-no na geladeira. É do jogo. Cada um faz seu trabalho e aprende com seus erros como pode.”
Viram? Recentemente, descobriu-se que a pasta de Franklin fez uma licitação a toque de caixa, vencida por uma empresa em que trabalha o… filho de Franklin. A “autoridade flagrada ficou irritadíssima com a imprensa e acusou o jornalista de fazer tempestade em copo d’água”… Franklin, apesar dos descalabros evidentes, era contrário à demissão de Erenice Guerra. Achava que tudo não passava de coisa da… imprensa.
Adjetivo não combina com matéria de denúncia, especialmente sobre irregularidade administrativa ou infração de normas éticas. Ironia, muito menos. Deboche, nem pensar. A matéria tem de ficar de pé por si mesma, sem anabolizantes. Se a denúncia for quente, não precisa ser esquentada; se não for tão quente assim, deve ser mais bem apurada antes de ser publicada. O leitor desconfia de denúncia feita com muito prazer. Tem razão. Afinal, estamos apenas cumprindo nossa obrigação.
Esse negócio sobre o adjetivo, a depender do caso, e só conversa mole. Mas vá lá… Gostei foi de ver que uma das obrigações do jornalista é apurar a notícia e ponto final.
Mas, muitas vezes, topamos com casos bem mais cabeludos. São esquemas de corrupção pesadíssimos, com ramificações em diversas áreas, envolvendo desvios de recursos milionários.
É verdade!
Algumas vezes, as denúncias chegam-nos por intermédio de um funcionário público ou de um técnico que descobriu o esquema; em outras, a iniciativa é de alguém que fazia parte da turma e foi escanteado; em outras, a dica é de um desafeto ou inimigo dos chefes da quadrilha.
Perfeitamente! É assim mesmo!
Pouco importa. Como já vimos, fonte não precisa ter caráter, mas informação. Cabe ao repórter não ser bobo e fazer a própria investigação.
Exato! Fonte não é pra casar (embora aconteça…), não é pra ser nosso genro ou nossa nora. Cumpre ao jornalismo fazer a sua apuração em vez de ficar refém dela. Franklin está certo. Por isso, o esforço da área de comunicação do governo e dos petistas para desqualificar Rubnei Quícoli, o sujeito que botou a boca no trombone com a lambança da turma da Casa Civil no caso do pleito encaminhado ao BNDES, era ridículo, né? Debocharam do rapaz, que responde a processos, sustentando ser um absurdo levá-lo a sério. O chato é que ele tinha uma penca de provas evidenciando o tráfico de influência.
O livrinho de Tio Franklin para os jovens pode ser elementar, mas diz, no geral, coisas corretas sobre a profissão. Pena que ele tenha esquecido os próprios ensinamentos ao chegar ao poder, e o que antes via como tarefa indeclinável do jornalismo passou a ser encarado como “golpismo”, daí a sua determinação em, como é mesmo?, fazer “o controle social da mídia”.
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