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segunda-feira, 3 de maio de 2010

Capitalismo dos amigos, prejuízo dos outros


O Estado de S. Paulo - 03/05/2010

Segurança jurídica é assim: a empresa ou a pessoa faz um negócio e confia que o contrato será cumprido; as mercadorias, fabricadas e entregues; o serviço prestado, e o pagamento, feito. No caso de algum problema, recorre-se aos tribunais, cujos juízes saberão como determinar o cumprimento do contrato e as eventuais indenizações.

Mas as companhias brasileiras que não conseguem receber de seus clientes venezuelanos nem pensam em recorrer aos tribunais. Muito menos as empresas da Venezuela que não conseguem comprar os dólares para pagar os fornecedores brasileiros. Todos têm medo de provocar a ira e as represálias do presidente Hugo Chávez.

Qual a saída? No caso dos brasileiros, trata-se de conseguir uma interlocução com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mandar o recado: que ele faça o favor de levar uma conversinha particular com o companheiro Chávez para cobrar.

Já aconteceu uma vez, está acontecendo de novo. É capaz que funcione, mas isso dá bem uma ideia do regime econômico e político vigente na Venezuela. O capitalismo - pois ainda há propriedades privadas - é o dos compadres. A democracia é para os amigos.

O presidente Lula, porém, acha que não há nenhum problema grave com a Venezuela e Chávez. Dificuldades aqui e ali aparecem, mas onde não existem? É isso, Lula e seu pessoal não estranham esse capitalismo com os amigos nem acham errado que o governo interfira abertamente nos negócios das empresas privadas.

As instituições brasileiras são incomparavelmente melhores e mais sólidas. Um exemplo, que vem ao caso: na Venezuela, pessoas e empresas só podem comprar dólares no banco central, conforme cotações fixadas pelo governo.

Como há falta da moeda americana, mesmo com as exportações de petróleo para os Estados Unidos, forma-se uma fila no banco central, cuja ordem se faz por escolha do governo, por corrupção ou pelas duas coisas.

Já foi assim ou parecido no Brasil. Hoje, estamos longe disso, qualquer um compra os dólares que quiser no banco de sua preferência. Quer dizer, o mercado não é tão livre assim, mas é quase.

Além disso, ninguém morre de medo de levar o governo aos tribunais ou de discutir com a Receita Federal. Mas por isso mesmo, por serem as instituições e a economia brasileiras mais consistentes e sofisticadas, o capitalismo da turma também precisa mostrar, digamos, um nível mais elaborado.

Um bom exemplo está na montagem do consórcio que vai construir a Usina de Belo Monte. O governo brasileiro seleciona e/ou pressiona grandes companhias privadas para que entrem no negócio, escala empresas e fundos de pensão estatais para turbinar a operação e determina quanto os bancos públicos vão financiar.

E por que as grandes companhias privadas topam, mesmo sabendo, como declararam, que a Usina de Belo Monte sairá mais cara do que o estimado pelo governo e que, portanto, o preço licitado da energia não paga o empreendimento?

Por dois motivos: primeiro, porque não querem ficar de mal com um governo que acena com muitos outros negócios, como o trem-bala, por exemplo, estimado em cobiçados R$ 35 bilhões. E, segundo, porque acreditam que o governo vai dar um jeito de acertar preços e pagamentos mais à frente.

Esse tipo de regime econômico não é uma criação do lulismo. Pratica-se por boa parte do mundo, há muito tempo. Funciona?

Imaginemos que dará tudo certo, naquele esquema, com a construção de Belo Monte. Daqui a quatro anos, a usina está pronta, gerando energia ao preço baratinho fixado no leilão.

Quem terá ganho? As empreiteiras e as demais companhias privadas envolvidas, como as fornecedoras de equipamentos e serviços, recebendo o preço, digamos, correto. Também estarão ganhando os consumidores dessa energia barata, famílias, certamente, mas, sobretudo, grandes empresas. E o governo estará pagando boa parte dos custos, na forma de empréstimos subsidiados, isenção de impostos e atuações "baratas" de companhias e fundos estatais. Ou seja, toda a população estará pagando pela energia uma parte muito, mas muito menor.

E daí? Como responderiam Lula e seu pessoal, a obra terá gerado atividade econômica, renda, empregos, de modo que terá sido bom para o País. Pode até ser verdade num caso específico, mas as consequências serão desastrosas na ampliação do regime.

As hidrelétricas, as usinas nucleares, o trem-bala, o subsídio para a Petrobrás no pré-sal, as estradas com pedágios baratinhos, o subsídio para o BNDES financiar os negócios escolhidos, as obras que atrasam ou não vingam - vai somando tudo isso e... o Estado quebra debaixo de dívidas enormes.

Tudo isso é simplesmente gasto público, que se soma às despesas com pessoal, previdência, programas sociais, custeio, todas em alta forte, que têm de ser pagas de algum modo, com mais impostos, mais dívida ou mais inflação, ou uma mistura disso tudo.

Foi assim que terminou a política econômica do regime militar, que montou e tocou obras como o governo Lula está fazendo. Demora para quebrar, há fases de milagre do crescimento, mas, quando quebra, leva décadas para consertar. E a conta não vai para os amigos.

Carlos Alberto SardenbergJORNALISTA.

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