O mundo político foi marcado pela eleição de José Sarney (PMDB-AP) à presidência do Senado no início de 2009. Se houvesse alguma dúvida sobre o papelão que os senhores parlamentares desempenhariam, naquele sétimo e penúltimo ano da era Lula, acabou desfeita com as primeiras palavras do novo segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados e corregedor da Casa, Edmar Moreira (DEM-MG), eleito na mesma época. Edmar Moreira queria o fim dos julgamentos de deputados por falta de decoro parlamentar. Ninguém mais seria cassado. Propôs um vale-tudo.
É digno de nota o fato de que o novo corregedor responderia a inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por suspeita de apropriação indébita de contribuições previdenciárias e crime contra a ordem tributária. O deputado mineiro não teria repassado para o INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) um total de R$ 655 mil referentes a contribuições recolhidas dos salários dos funcionários de uma de suas empresas de segurança.
O histórico de Edmar Moreira incluía votos contra as cassações de sete deputados denunciados por envolvimento no escândalo do mensalão e a renúncia à vaga de titular do Conselho de Ética da Câmara. Motivo: ficou indignado com a rejeição de seu relatório absolvendo o deputado José Mentor (PT-SP), que não dera explicações consideradas razoáveis para um dinheiro depositado pelo valerioduto em sua conta bancária. Nem precisava: José Mentor acabou inocentado por seus pares. O elo com o PT proporcionara os votos necessários para Edmar Moreira eleger-se corregedor.
O que o tornou conhecido nacionalmente, contudo, foram as imagens de um castelo estapafúrdio, em estilo medieval, estampadas nos jornais de todo o País. A propriedade suntuosa virou um símbolo da imoralidade política. Acusado de esconder da Justiça Eleitoral o famoso Castelo Monalisa, avaliado em R$ 25 milhões, Edmar Moreira alegou que era dos seus filhos a construção erguida em área de 192 hectares, com 36 suítes dotadas de hidromassagem e torres de até sete andares, em São João do Nepomuceno (MG). O deputado sofreu outra acusação: teria gastado boa parte dos R$ 15 mil mensais da chamada verba indenizatória fornecida pela Câmara para contratar segurança privada. Em vez de usar o dinheiro para cobrir despesas do mandato com serviços de transporte, hospedagens e aluguel de escritórios, por exemplo, justificou o dispêndio de R$ 230 mil dos R$ 360 mil, num período de dois anos, com segurança pessoal.
Pior: Edmar Moreira apresentou notas de duas empresas de sua propriedade, a Ronda e a Itatiaia, como se tivessem sido contratadas por ele com o objetivo de protegê-lo. As investigações apontaram que a Ronda existiria apenas para emitir notas, a fim de justificar o uso da verba indenizatória. As empresas estariam em situação pré-falimentar. O deputado não comprovou a prestação dos serviços. Ficou a forte suspeita de que amealhou os recursos públicos em benefício pessoal. O primeiro relator do caso Edmar Moreira perdeu o cargo após dizer que não via motivos para condenar nem pedir a cassação do colega. Palavras do deputado Sérgio Moraes (PTB-RS):
- Estou me lixando para a opinião pública.
O deputado do castelo não perdeu o mandato.
O destino das verbas indenizatórias tornou-se um escândalo recorrente nos anos Lula. Em 2006 mais de 100 deputados teriam apresentado notas fiscais falsas para justificar gastos com combustível. Provavelmente enfiaram o dinheiro no bolso. As investigações deram em nada. Ninguém foi punido. Em apenas dois meses de 2008, as notas apresentadas pelos senhores deputados justificaram compras de 1 milhão de litros de gasolina, o suficiente para dar 250 voltas ao redor do planeta. Se o leitor permite outra comparação, 1 milhão de litros de combustível daria para fazer 25 viagens da Terra à Lua.
Ainda antes do Carnaval de 2009, uma bomba: inconformado com a eleição de José Sarney para a presidência do Senado, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) concedeu entrevista ao repórter Otávio Cabral, da revista Veja, e acusou Sarney de não ter compromisso ético. Atacou o próprio partido, "uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos".
- Para que o PMDB quer cargo?
- Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
Jarbas Vasconcelos não perdoou Lula. Para ele, o presidente era chefe de "um governo medíocre". Segundo o senador pernambucano, Lula "havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha compromissos com reformas ou com ética".
Sobrou também para o partido do presidente: "O PT denunciava todos os desvios, prometia ser diferente ao chegar ao poder. Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção. O pensamento típico do servidor desonesto é: 'Se o PT, que é o PT, mete a mão, por que eu não vou roubar?'"
A entrevista teve repercussão nacional. Jarbas Vasconcelos não poupou o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), alçado ao cargo de líder do PMDB no Senado com a eleição de José Sarney:
- Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.
O senador Pedro Simon (PMDB-RS) foi dos poucos a apoiar as investidas de Jarbas Vasconcelos contra o PMDB, o maior partido político do País:
- Acontecem essas mesmas coisas com os outros partidos, com PT, PSDB, DEM, PPS e PTB. Estamos em uma geleia geral. Acontece que alguns têm mais corrupção que outros porque são maiores.
Jarbas Vasconcelos não recuou:
- Não é de hoje que o PMDB tem sido corrupto. Mas Lula tem sido conivente com a corrupção. Não foi Lula ou o PT que inventaram a corrupção, mas essa tem sido a marca do governo dele, a marca do toma-lá-dá-cá.
- A impunidade estimula a corrupção. Se o governador, o senador e o deputado são corruptos e nada acontece, as pessoas logo pensam que também podem fazer corupção.
A retaliação não tardou. Renan Calheiros destituiu Jarbas Vasconcelos da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), um dos órgãos mais importantes do Senado. Lula só se pronunciaria após 40 dias, com a costumeira cara de paisagem, em visita ao Recife:
- Eu sempre tratei o senador Jarbas Vasconcelos tão bem e não sei por que ele, eleito senador, tem agredido tanto o governo.
Depois do castelo, certa mansão de R$ 5 milhões ganhou as páginas dos jornais. Seu ilustre morador, Agaciel Maia, diretor-geral do Senado, comprara o imóvel luxuoso em 1996, apenas um ano após assumir o cargo de chefão do Senado, escolhido por José Sarney, durante sua primeira gestão como presidente da Casa. As fotografias do casarão de 960 metros quadrados, erguido no Lago Sul, área nobre de Brasília, escandalizaram o País. Agaciel Maia registrou-o em nome do irmão, deputado João Maia (PR-RN), mas o imóvel não foi declarado à Receita Federal ou à Justiça Eleitoral.
A mansão derrubou Agaciel Maia do cargo. Durante 14 anos, ele comandou a máquina administrativa do Senado. Fez e desfez, num período em que José Sarney ocupou a presidência da Casa por três vezes. Exemplos: 4 mil postos de trabalho instituídos, mas apenas 150 preenchidos por concurso público. Os demais eram nomeações políticas. Cerca de 700 funcionários do Senado receberiam salários superiores a R$ 25 mil por mês em 2009, extrapolando o teto estabelecido pela Constituição. Para pagar as despesas o orçamento da Casa subiria de R$ 882 milhões a R$ 2,7 bilhões, em uma década. Triplicou.
Entre 2003 e 2005, na segunda gestão de José Sarney à frente do Senado, surgiriam 70% dos 181 cargos de diretor existentes na Casa. Tempos do primeiro mandato de Lula. As atenções, voltadas para o escândalo do mensalão, deixaram à vontade os senhores senadores. Por outro lado, José Sarney, competente operador de bastidores, havia feito o que estava a seu alcance para blindar Lula e livrá-lo do mensalão. No segundo mandato de Lula, porém, a confusão se instalaria no Senado e, como veremos, foi a vez de Lula retribuir. Os dois salvaram-se mutuamente. Antes de iluminarmos mais maracutaias no Senado e como Lula protegeu Sarney, tratemos de outro escândalo que sacudiu o Congresso em 2009: a farra das passagens aéreas.
Em 2 de abril, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) gastou R$ 469 mil da sua cota de passagens aéreas para fretar jatinhos. Tasso Jereissati contestou o valor, mas admitiu ter usado R$ 358 mil na alocação de aeronaves. Outros três senadores reconheceram ter feito o mesmo: Mário Couto (PSDB-PA), Jefferson Praia (PDT-AM) e Heráclito Fortes (DEM-PI), primeiro-secretário do Senado.
Parlamentares trataram de converter as cotas em bilhetes para viagens de turismo. Levantamento do site Congresso em Foco constatou 1.855 viagens internacionais solicitadas por deputados, apenas no período entre janeiro de 2007 e outubro de 2008. A pesquisa apontou os campeões, aqueles que fizeram o maior número de requisições para deslocamentos ao exterior naquele espaço de tempo. Os cinco recordistas: Dagoberto Nogueira (PDT-MS), com 40 viagens; Léo Alcântara (PR-CE) e Marcelo Teixeira (PR-CE), com 35 cada um; Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), com 29; e Jilmar Tatto (PT-SP), que cravou 28 viagens.
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), também usou bilhetes aéreos comprados com dinheiro público para viajar. Foi com a mulher para a França e gastou passagens para curtir a Bahia com o irmão e outros três familiares. Os deputados Ricardo Berzoini (PT-SP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidentes nacionais dos respectivos partidos, usaram a cota para distribuir benesses. Ricardo Berzoini forneceu bilhete para a filha ir a Argentina. Rodrigo Maia levou a mulher e a filha a Nova York. Bancou também bilhete ao mesmo destino para uma prima. A mulher de Rodrigo Maia ainda foi a Paris e Londres.
Ex-ministro do governo Lula, o deputado Eunício Oliveira (PMDB-CE) presenteou a mulher e a filha com passagens a Miami. O deputado José Genoino (PT-SP) carregou a mulher e o filho a Madri. Vic Pires (DEM-PA) levou parentes e até o namorado da filha a Miami. Monteiro Neto (PTB-PE) mandou emitir bilhetes para a mulher, a filha e o filho nas rotas Santiago, Madri e Buenos Aires. O líder do PP, deputado Mário Negromonte (BA), não economizou: cinco familiares para Nova York. José Carlos Aleluia (DEM-BA) viajou com a mulher e o filho a Paris e Londres.
O deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) cedeu passagem a que tinha direito para a filha ir ao Havaí. "Agi como se a cota fosse minha propriedade soberana. Confesso que caí na ilusão patrimonialista brasileira", reconheceu, depois. Eugênio Rabelo (PP-CE) bancou com verba da Câmara 77 bilhetes aéreos para jogadores e dirigentes de um time de futebol.
Outro festival foi comandado pelo deputado Fábio Faria (PMN-RN). Deu sete passagens aéreas à namorada. Usou sua cota de bilhetes pagos com dinheiro público para presentear terceiros com viagens aos Estados Unidos. Em uma ocasião, levou 12 pessoas a uma festa em Natal. Descoberta a farra, prometeu devolver R$ 23.748.
Mais viagens de deputados: José Sarney Filho (PV-MA) levou a mulher e o filho a Montevidéu, Buenos Aires, Santiago e Madri. José Aníbal (PSDB-SP) a mulher a Paris. Sandro Mabel (PR-GO) a mulher a Buenos Aires. Henrique Alves (PMDB-RN) a mulher e dois filhos a Buenos Aires, Miami e Nova York. Fernando Coruja (PPS-SC) a mulher e dois filhos a Buenos Aires e Paris. Ivan Valente (PSOL-SP) a mulher a Paris.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) usou a cota pessoal de passagens aéreas para custear viagens da namorada em território nacional. Também a levou a Paris. Informou ter restituído R$ 20.621 aos cofres públicos. Renan Calheiros (PMDB-AL) cedeu várias passagens a terceiros. Entre os beneficiados, o primo Ildefonso Tito Uchoa, o primo acusado de ser testa-de-ferro do senador.
A senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN) aproveitou a farra aérea. Com dinheiro público "pagou" viagens e até estadias em hotéis para ela, o marido, filhos, parentes e amigos. No Brasil e no exterior. A Folha de S.Paulo apurou que, em menos de um ano, de maio de 2007 a fevereiro de 2008, Rosalba Ciarlini usou a cota de bilhetes aéreos do Senado para proporcionar 240 viagens. Quase uma por dia. Ao todo, somaram R$ 160 mil. Ela disse ao repórter Leonardo Souza que poderia usar a cota como quisesse:
- Eu cheguei aqui, senadora nova, a orientação era essa.
O deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE) usou recursos públicos para adquirir passagens aéreas com destino a Nova York, Miami, Frankfurt e Milão em benefício da mulher, três filhas e uma neta. Depois, justificou:
- A família é sagrada, não tem nada demais.
Leandro Sampaio (PPS-RJ) lançou mão da cota e obteve 11 bilhetes para ele, parentes e amigos. Viajaram para Alemanha, Chile e Argentina. O deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) foi a Nova York e Buenos Aires. João Paulo Cunha (PT-SP) usou os bilhetes da Câmara dos Deputados para ir com a mulher e a filha a Bariloche, na Argentina. A assessora Silvana Paz Japiassu e outras três pessoas também ganharam passagens à Argentina.
Não foram apenas deputados que participaram da farra das passagens. Ex-deputados também. A Câmara arcou com bilhetes aéreos entre fevereiro de 2007 e dezembro daquele ano a 116 ex-parlamentares. Do total, 28 usaram as cotas que teriam sobrado da época do mandato para fazer mais de 20 voos cada um. Rasparam o tacho. Solicitaram e obtiveram 896 bilhetes aéreos. Os recordistas: Almeida de Jesus (PR-CE), um dos acusados de envolvimento no escândalo dos sanguessugas, com 81 passagens; Hamilton Casara (PSDB-RO), com 57 bilhetes emitidos; e Miguel de Souza (PR-RO), que usufruiu 56.
A lista dos 28 incluía o ex-ministro do Esporte de Lula, Agnelo Queiroz (transferiu-se do PC do B para o PT-DF em 2008), que depois assumiu o cargo de diretor da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária); Roberto Freire (PE), presidente nacional do PPS; Murilo Zauith (DEM), vice-governador de Mato Grosso do Sul; e Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP).
Ex-senadores não ficaram atrás. Onze deles pediram e foram atendidos, com 291 bilhetes aéreos. Mesmo fora do Senado usaram passagens aéreas da Casa em benefício próprio e de parentes e amigos. O vice-governador do Maranhão, João Alberto Souza (PMDB), pôs as mãos em 98 bilhetes. Usou 22 e mandou emitir os demais em nomes de terceiros. Rodolpho Tourinho (DEM-BA) tratou de obter 79 passagens. Roberto Saturnino Braga (PT-RJ), 54 bilhetes.
Joaquim Roriz (PMDB-DF), como se sabe, ficou no cargo apenas cinco meses. Renunciou para escapar de possível processo de cassação. Após sair do Senado, utilizou sete passagens. Teotônio Vilela (PSDB), eleito governador de Alagoas, não abriu mão da cota aérea dos tempos de senador. Requereu oito bilhetes. José Jorge (DEM-PE) virou ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), mas pediu 14 passagens. Jorge Bornhausen (DEM-SC) usufruiu 13 viagens, sem contar os dois bilhetes para os netos irem a Nova York. Saíram da cota do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC). Por fim a ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). Usou seis passagens após o término do mandato.
Lula demorou a se manifestar. Mas também deu a sua opinião:
- Não acho um crime um deputado dar uma passagem para um dirigente sindical ir a Brasília. Quando eu era deputado, muitas vezes convoquei dirigentes da CUT e outras centrais para se reunir, com passagens do meu gabinete. Graças a Deus, nunca levei nenhum filho meu para a Europa. Mas um deputado levar a mulher para Brasília... Qual é o crime?
O crime, senhor presidente, é usar dinheiro público. Parlamentares ganham suficientemente bem para pagar do próprio salário passagens às digníssimas esposas. De relatório técnico do TCU (Tribunal de Contas da União):
"É flagrante que a utilização de passagens aéreas em viagens de férias com a família e turismo internacional, como nos casos reportados pela imprensa, caracteriza afronta aos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade."
Para o deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP), fornecer passagens para sindicatos, como Lula admitiu ter feito quando era deputado, é transgressão.
- A prática do presidente Lula é de banalizar a ética. Com essas declarações, ele está dizendo que ética é hipocrisia e todo o mundo deve se locupletar.
Comissão de sindicância instalada na Câmara dos Deputados identificou uma "máfia das passagens". Encontraram indícios de um esquema para vender bilhetes aéreos das cotas de parlamentares em 45 gabinetes. Ou seja, implicaria 45 deputados. Estranhamente, apenas dois poderiam ser responsabilizados. Os outros, tão ciosos, desconheciam que tinham bilhetes aéreos à disposição, deixando tudo nas mãos de espertos assessores...
Os deputados investigados eram Eugênio Rabelo (PP-CE) e Paulo Roberto (PTB-RS). Três outros talvez estivessem envolvidos. No restante dos casos, a culpa iria recair sobre os funcionários. Seriam eles que, em vez de emitir bilhetes pela internet para uso dos gabinetes, pegavam as senhas fornecidas pelas companhias aéreas e negociavam com agências de turismo de fachada que, por sua vez, vendiam as passagens para agências estabelecidas.
Uma das agências sem cadastro, a Morena Turismo, pertenceria a Pedro Damião Pinto Rabelo, que compraria passagens da uma funcionária do gabinete do deputado Nazareno Fonteles (PT-PI). Outra, a Special Tour, teria como representante Marco Aurélio Cunha Vilanova, apontado como funcionário-fantasma do gabinete do deputado Marcio Junqueira (DEM-RR).
Eugênio Rabelo e Paulo Roberto foram absolvidos. Não teriam participado do esquema de venda de passagens. O gaúcho Paulo Roberto, no entanto, seria apontado como suspeito de manter funcionários-fantasmas em seu gabinete e ficar com parte de seus salários.
A farra aérea respingou no governo Lula. Após a nomeação para o primeiro escalão da administração do PT, três ex-deputados usaram e distribuíram a parentes e amigos 64 passagens da Câmara. O ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB-PE), enfiou no bolso 54 bilhetes. Foi ilustre passageiro por cinco vezes. Desfrutaram da mordomia filho, genro, sobrinho e primo. Voaram entre Brasília, São Paulo, Rio, Recife e Porto Alegre.
Os outros dois ministros que paparam passagens da Câmara dos Deputados são Reinhold Stephanes (PMDB-PR), da Agricultura, e Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), da Integração Nacional. Geddel, aliás, também voava em avião particular pelo interior da Bahia. O piloto, Francisco Meireles, era contratado como secretário parlamentar do deputado Edigar Mão Branca (PV-BA), que assumiu o mandato como suplente de Geddel Vieira Lima. Salário do piloto do ministro, pago pela Câmara dos Deputados: R$ 8.040. De Edigar Mão Branca, sobre as atribuições do alto cargo público de Francisco Meireles:
- Comigo aqui a ordem é fazer qualquer coisa, a qualquer hora, o que for necessário.
Mais um ministro de Lula enrolado: Hélio Costa (PMDB-MG), das Comunicações. Usou passagens do Senado para ir com a família a Miami. Os bilhetes saíram da cota do suplente de Hélio Costa no Senado, Wellington Salgado (PMDB-MG), que também cedeu um cargo do gabinete para rechear a conta bancária da secretária do ministro, Eliana Maria Ros. Ela recebia até hora extra do Senado. Salário dela: R$ 7.484. A propósito: Alexandre Costa, filho do ministro, foi nomeado no gabinete do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), de onde só saiu exonerado depois de acusado em 2008 de ser funcionário-fantasma. Em 2009, já fazia mais de seis anos que Januário Rodrigues, motorista da família de Hélio Costa em Belo Horizonte, estava comissionado em Brasília. Nos últimos tempos, como funcionário de Wellington Salgado. Como senador, Hélio Costa teria abrigado em seu gabinete, durante cinco anos, um repórter de uma rádio de Minas Gerais.
Hélio Costa também se enrolou no caso dos ministros de Lula que receberam auxílios-moradia suspeitos, pagos pelo Senado. Além dele, que teve o salário engordado ao longo dos anos em R$ 178.600, o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento (PR-AM), recebeu R$ 110.200, e o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), R$ 57.000. Total de auxílio-moradia nas contas bancárias dos três: R$ 345.800. O benefício não exigia apresentação de notas ou qualquer comprovação de despesas.
Edison Lobão, aliado de José Sarney, empregou o estudante Luiz Gustavo Amorim, namorado de Rafaela Sarney, neta de Sarney, no Ministério de Minas e Energia. Com salário de R$ 2.518, o rapaz não apareceria no trabalho. Enquanto ocupou o cargo de senador, Edison Lobão manteve como assessora parlamentar a nora Marta Fadel Lobão, casada com o filho Márcio Lobão.
E mais: após se afastar do Senado para ser ministro de Lula, Edison Lobão continuou a receber auxílio-moradia destinado aos senadores, no valor de R$ 3.800 por mês. A mulher dele, deputada, também. Recebia R$ 3.000 por mês, da Câmara. Com agravante: o casal morava em casa própria em Brasília.
O jornal O Globo relatou que a mulher do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT-RJ), Maria Margarida Galamba de Oliveira, estava empregada no gabinete da deputada Cida Diogo (PT-RJ). Ela foi contratada por R$ 4.020, para trabalhar de terça a quinta-feira, apenas três semanas após uma funcionária e parente de Cida Diogo, Flávia Martins Marques, ser nomeada, por R$ 5.967, no Ministério do Meio Ambiente. Tudo em família.
Lula não fez comentários sobre a conduta de seus ministros. Nem tomou qualquer providência. Ficou por isso mesmo.
Já foi mencionado que, às escondidas, o Senado criou 181 cargos de diretor, mais que dois postos de direção para cada um dos 81 senadores. A esbórnia, como definiu o jornal O Estado de S. Paulo, foi explicada pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS): "É coisa feita para o cara ganhar mais". As diretorias de fachada que não acabavam mais remuneravam muito bem: salários em torno de R$ 20 mil. Dois exemplos: Diretoria de Apoio Aeroportuário, para facilitar o embarque de senadores, parentes e amigos no aeroporto de Brasília, também conhecida como diretoria de fura-fila ou de check-in; e Diretoria de Visitação, para acompanhar os turistas que percorriam as dependências do Senado.
Descobriu-se ainda que o Senado adotara a prática de editar atos secretos para instituir cargos, aumentar salários e nomear parentes e amigos, sem divulgá-los em publicações oficiais, sem levar a conhecimento público. Ao todo, foram 544 atos secretos em 14 anos, período em que Agaciel Maia deu as cartas no Senado. Quem denunciou foi o jornal O Estado de S. Paulo. Mandaram às favas o princípio da moralidade na administração pública, que pressupõe transparência no uso do dinheiro público. Com medidas sigilosas criaram, por exemplo, assistência vitalícia odontológica e psicológica a maridos e mulheres de ex-parlamentares. Autorizaram servidores a parcelar em até 99 vezes créditos consignados. Tiveram a coragem de reajustar o auxílio-alimentação dos servidores, com valores retroativos a 12 meses.
Com os atos secretos, espertalhões deixaram escondidos em gavetas textos sucintos, desprovidos de numeração e com decisões suspeitas. Consolidaram ações polêmicas como a de acabar com limitações para 800 servidores efetivos fazerem horas extras. Com conhecimento discreto dos senhores senadores, Agaciel Maia espalhou benesses e multiplicou contratos com empresas terceirizadas. Servidores em viagem ao exterior foram autorizados a receber diárias além dos dias específicos de trabalho. Aumentaram as gratificações de chefes de gabinete de secretarias. Tornaram permanentes adicionais salariais. Instituíram comissões e espalharam conselhos só para proporcionar gordos jetons (adicionais de salários) a funcionários.
Ato secreto supostamente autorizado por José Sarney criou uma gratificação-fantasma em 2003. A medida teria implicado despesas de R$ 20 milhões em seis anos. Funcionava assim: servidores de nível médio, desde que indicados para cargos de chefia, passavam a receber um bônus que elevava os ganhos como se já tivessem no final da carreira de nível superior. Haveria mais de 100 casos nessa situação no fim de 2009. Gente ganhando mais de R$ 20 mil.
Durante os dois mandatos do presidente Lula, o Senado adotou como norma prorrogar e aditar contratos com empresas terceirizadas. Valores foram corrigidos, sempre para cima. Em 2009 eram R$ 152 milhões por ano em diversos serviços, como os de limpeza, comunicação e segurança. Sindicâncias detectaram indícios de superfaturamento, excesso de pessoal, altos salários e ausências de justificativa para as contratações.
Com a crise, a luz do dia chegou a iluminar a caixa-preta do Senado, ainda que parcialmente. Revelou-se o pagamento de R$ 6,2 milhões em horas extras para 3.883 funcionários, por serviços prestados em janeiro de 2009. O primeiro mês do ano, para quem não sabe, é de recesso parlamentar, e não havia o que justificasse o benefício. Veio à tona também que com apenas seis meses de mandato, senadores e seus familiares passavam a ter direito a um sistema de saúde vitalício, que consome R$ 17 milhões por ano.
Não havia limite para a gastança. Bastava apresentar recibos que atestassem as despesas. Em 2008, cada um dos 81 senadores despendeu R$ 80 mil. O valor equivale a cerca de R$ 7 mil por mês, incluindo os serviços médicos destinados aos familiares. Já os 310 ex-senadores e seus parentes eram obrigados a obedecer a um limite, embora dispensados de contribuir para o plano de saúde: os gastos deles não podiam exceder os R$ 32 mil por ano, incluídas aí as despesas com tratamentos odontológicos e psicológicos.
Não foram apenas atos secretos. Havia ainda contas bancárias secretas, contas ocultas ou contas paralelas, como o leitor preferir chamá-las. O fato é que continham R$ 160 milhões em julho de 2009. Tinham sido abertas 12 anos antes. Eram movimentadas livremente por Agaciel Maia. Não faziam parte da contabilidade oficial do Senado, nem do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira, do Governo Federal). Foram abertas e recheadas com dinheiro descontado dos salários dos funcionários do Senado, para o custeio de planos de saúde. A única fiscalização estaria a cargo de uma comissão de 11 servidores, toda indicada por Agaciel Maia. A comissão não se reunira em cinco anos. Serviria para referendar as decisões do diretor-geral. Agaciel Maia manteve em 2008 uma conta bancária com R$ 2 milhões na Caixa Econômica Federal. O valor era incompatível com os seus rendimentos.
A revista Época relatou que Agaciel Maia construiu um bunker para encontros íntimos dentro das dependências do Senado. Era acessível por uma escada giratória secreta. Dava numa porta com três fechaduras. Dentro, área de 130 metros quadrados com banheiro privativo, sofás e tapetes vermelhos, spots com luz especial, frigobar, equipamentos de som, vídeo e telão. A secretária de Agaciel Maia, Cristiane Tinoco Mendonça, morava em apartamento funcional do Senado e estacionava seu luxuoso automóvel BMW nas vagas reservadas aos senadores. Para se ter ideia do poder do diretor-geral, José Sarney o autorizou, em janeiro de 2005, a contratar, sem licitação, hospitais e médicos para o plano de saúde dos funcionários do Senado.
Braço-direito de Agaciel Maia, João Carlos Zoghbi, diretor de Recursos Humanos do Senado, afastou-se do cargo em 2009. O jornal Correio Braziliense relatou que ele cedera um imóvel funcional do Senado para o filho morar. João Carlos Zoghbi teria feito uso de ao menos 42 bilhetes aéreos da cota de 12 deputados, contando 10 viagens internacionais, e usado sua influência para empregar vários parentes no Senado por meio de atos secretos.
Em abril de 2009, a revista Época denunciou que João Carlos Zoghbi usou sua ama de leite e babá, Maria Izabel Gomes, uma senhora de 83 anos, sem renda e semi-analfabeta, como laranja para receber quantias milionárias pagas por bancos autorizados a fazer operações de empréstimo consignado a funcionários do Senado. A babá aparecia como controladora de três empresas que fecharam negócios com ao menos quatro instituições financeiras. Apenas uma das empresas da babá, a Contact Assessoria de Crédito, teria recebido R$ 2,3 milhões do banco Cruzeiro do Sul, em nome de comissões referentes a R$ 380 milhões em empréstimos a servidores. O banco Santander também teria tido um contrato comercial com a Contact.
Segundo a reportagem, o banco Finasa/BMC, um braço do grupo Bradesco, elevou a quantia de empréstimos a funcionários do Senado de R$ 5,7 milhões para R$ 156,1 milhões entre 2006 e 2008. Antes, o banco contratara a BC Assessoria de Crédito, outra empresa cuja acionista majoritária era a babá de João Carlos Zoghbi. A terceira empresa da babá, a BM Assessoria de Crédito, foi contratada pelo banco Bancred em 2007. A carteira da instituição no Senado pulou de R$ 4 milhões para R$ 91 milhões. Com a intermediação, a BM teria faturado R$ 541 mil. A BM também teria agenciado empréstimos com desconto em folha de pagamento a servidores e deputados na Câmara.
Com a repercussão do caso da babá, João Carlos Zoghbi e a mulher, Denise Zoghbi, ex-funcionária do Senado, trataram de culpar Agaciel Maia pela corrupção. Acusaram-no de ser dono do Senado. Palavras de Denise a Época:
- Ele fica com a parte do leão. Agaciel está milionário. Eu sei que ele tem casa, apartamento em Natal, uma fazenda no interior do Rio Grande do Norte, várias casas em Brasília em nome dos irmãos. Ele faz bem feito.
- O que todo mundo dentro do Senado sabe é que todas as terceirizadas são dele. Todas as contratações passam por ele.
A revista Época voltou a denunciar João Carlos Zoghbi. Ele também teria explorado negócios de corretagem de seguros de vida no Senado, Câmara dos Deputados e TCU (Tribunal de Contas da União). A transação envolveu a DMZ Corretora de Seguros, supostamente comandada pela babá Maria Izabel Gomes, que teria faturado R$ 236 mil. "Esse número está correto", disse ele.
Não é só. João Carlos Zoghbi, que ficou dez anos no cargo, teria fraudado a folha de pagamento do Senado para aumentar valores disponíveis para crédito consignado. Criava "margens adicionais" de renda, a fim de justificar empréstimos acima do porcentual estabelecido, de 30% dos rendimentos dos funcionários. Foi acusado de montar uma indústria de empréstimos. Em três anos, o mercado de empréstimos no Senado movimentou R$ 1,2 bilhão. As fraudes de João Carlos Zoghbi teriam ocorrido em cerca de 10% dos pedidos de crédito. Beneficiariam mil funcionários e injetariam recursos na Contact Assessoria de Crédito, a empresa em nome da babá. A Polícia Federal indiciou o ex-diretor por formação de quadrilha, concussão (extorsão praticada por agente público) e inserção de dados falsos em sistema público de informação.
A crise no Congresso Nacional respingou em muita gente importante. O senador Tião Viana (PT-AC) ficou furioso com a notícia de que sua filha viajara para o México com o celular funcional dele, bancado pelo Senado. Era um segredo. Tião Viana disse que pagaria a conta, mas se recusou a informar o valor. Afinal, quanto poderia ter sido o gasto do celular em uma viagem de férias de apenas três semanas? Dias depois, a imprensa publicou a despesa: R$ 14.758. Em que diabo de viagem se gasta mais de R$ 700 de telefone por dia?
Tião Viana voltaria a ser notícia de jornal. Ele não declarara à Justiça Eleitoral, em 2006, a compra de um terreno num condomínio residencial de alto padrão, em Rio Branco, adquirido dois anos antes. Na área bem localizada, em frente a um lago com margens arborizadas, o senador construiu uma casa de 477 metros quadrados, avaliada em R$ 600 mil.
A filha do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) ocupou por seis anos alto cargo no gabinete do senador Heráclito Fortes (DEM-PI). Salário mensal de Luciana Cardoso, como secretária parlamentar, sem contar benefícios do Senado: R$ 7.600. Ela não despachava em Brasília. Nem no Piauí, terra do senador. Cuidava na própria casa, em São Paulo, das "coisas pessoais dele". Funcionária-fantasma? De Luciana Cardoso à Folha de S.Paulo, para justificar: o gabinete de Heráclito Fortes "é um trem mínimo e a bagunça, eterna". Em seguida, a filha de FHC se desligou do cargo.
Em 2005, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), deu um presentão aos 81 senadores. Cada um ganhou o direito de nomear mais sete pessoas para cargos de confiança, com salários de R$ 9.900. Outro agrado de Renan Calheiros na época: o Senado aumentou, por ato secreto, o valor da verba indenizatória dos senadores. Subiu de R$ 12 mil para R$ 15 mil, com um prêmio: o pagamento foi retroativo a seis meses. Um extra de R$ 18 mil.
Com a revelação da existência dos atos secretos, aliás, Renan Calheiros foi notícia constante nos jornais. Marlene Galdino, ex-presidente da Câmara Municipal de Murici (AL), área de influência do senador, fora nomeada na Diretoria-Geral de Agaciel Maia. Já Renato Friedmann, cujo salário mensal era de R$ 15 mil, seria funcionário-fantasma sob o manto de Renan Calheiros. Apesar de lotado em Brasília, trabalharia na loja da sua família em Porto Alegre. Amélia Neli Pizatto, sogra de Douglas de Felice, assessor de imprensa de Renan, seria outra funcionária-fantasma da cota do senador. Teria recebido por quase seis anos, sem trabalhar, salário mensal de R$ 4.900.
Aliado de Renan Calheiros, José Góis Machado teria ficado dois anos na folha de pagamento do Senado, nomeado por ato secreto, embora vivesse em Alagoas. Renan seria o responsável pela nomeação da funcionária-fantasma Vânia Lins Uchoa Lopes quando foi presidente do Senado. Mulher de seu primo, Idelfonso Tito Uchoa, ela teria residência em Maceió. Na época em que o caso de Vânia Lins Uchoa Lopes veio a público, a "servidora" estava no gabinete do então presidente do Senado, José Sarney. Renan teria autorizado também o funcionário Rui Palmeira, filho de Guilherme Palmeira, ex-presidente do TCU, a estudar no exterior, sem cortar os seus salários.
Geraldo Anízio de Amorim, chefe de gabinete do prefeito de Murici (AL), Renan Calheiros Filho, o "Renanzinho", teria sido motorista-fantasma por mais de seis anos no gabinete do senador em Brasília. Outros quatro integrantes da "república de Murici" teriam tido empregos no Senado, por influência de Renan Calheiros. Por ato secreto, Alexandre Murta de Araújo Rocha manteria o cargo de funcionário do gabinete de Renan em Brasília, ao mesmo tempo em que era candidato a deputado em Alagoas, contrariando dispositivo da Justiça Eleitoral.
Ato secreto serviu para empregar Ricardo Araújo Zoghbi, filho de João Cargos Zoghbi, o diretor de Recursos Humanos do Senado. O rapaz passou pela liderança do PDT e pelo gabinete do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que disse não conhecê-lo. Cedeu o lugar a pedido de Agaciel Maia:
- Muitas vezes as vagas estão disponíveis. Eventualmente acontece de alguém ocupar a nossa vaga. Mas eu não tenho nenhuma relação com Zoghbi.
Delcídio Amaral abrigou em seu gabinete Lia Raquel Vaz de Souza. Ela fora transferida por ato secreto para o gabinete dele, depois de passar pelo de Demóstenes Torres (DEM-GO). A "funcionária" é filha de Valdeque Vaz de Souza, um dos principais assessores de Agaciel Maia. Demóstenes Torres disse que Agaciel Maia fez a nomeação à revelia. Mas admitiu:
- Os culpados de tudo isso somos nós mesmos, que aceitamos que esse delinquente ficasse por tanto tempo à frente da Diretoria-Geral.
Demóstenes Torres assumiu a responsabilidade pela nomeação em seu gabinete de Marcelo Zoghbi, outro filho do diretor de Recursos Humanos João Carlos Zoghbi. Demóstenes Torres informou que o nomeou a pedido do então senador Edison Lobão. O rapaz ganhou o emprego por ato secreto.
Bem relacionado, Delcídio Amaral prestou favor ao senador José Sarney. Nomeou Vera Portela Macieira Borges, sobrinha de Sarney. Em tese, ela deveria despachar no escritório político de Delcídio Amaral em Campo Grande. Mas não foi vista por lá durante os seis anos em que ficou sob a batuta do senador petista, desde o começo da era Lula.
Líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM) anunciou a devolução de R$ 328 mil aos cofres públicos. O dinheiro corresponderia a 18 meses de salários e benefícios de Carlos Alberto Andrade Nina Neto, funcionário do gabinete de Arthur Virgílio, durante o período em que o rapaz foi autorizado pelo senador a receber do Senado apesar de morar na Espanha. Com a notícia nos jornais, o tucano não teve outra saída. O funcionário era filho do subchefe de gabinete de Arthur Virgílio, Carlos Homero Vieira Nina. O subchefe ainda tinha a mulher e a irmã empregadas no Senado, sendo que a irmã, por ato secreto. Mais três filhos eram devidamente nomeados no Senado, não apenas o que foi morar na Espanha. Os três no gabinete do líder do PSDB.
Outro episódio envolvendo Arthur Virgílio chamou a atenção: o pagamento do tratamento médico da mãe do senador. Ela tinha o direito de gastar até R$ 32 mil por ano por conta do sistema de saúde do Senado, pois era dependente do pai de Arthur Virgílio, também senador. O Senado cobriu despesas de R$ 723 mil, mais de 22 vezes o limite anual. Ficou a suspeita de que Arthur Virgílio usou do prestígio para liberar o pagamento.
O Senado gastou pelo menos R$ 70 mil para custear as despesas da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) num curso para capacitar executivos de empresas privadas. O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo. Ela arrastou consigo um assessor, Paulo André Argenta, para México, Argentina e Espanha. O tal curso tinha como promotor Luiz Sérgio Gomes da Silva, ex-assessor da CUT (Central Única dos Trabalhadores, ligada ao PT). Líder do governo Lula no Congresso Nacional, Ideli Salvatti teve o assessor Guilherme Ricardo Chimidt, com salário de R$ 9.900 mensais, nomeado por ato secreto.
A filha do presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), viajou com o pai para os Estados Unidos em fevereiro de 2007. As cinco diárias de Helena Olympia de Almeida Brennand Guerra na cidade de Nova York, no valor de R$ 4.580, foram pagas pelo Senado. Com a notícia na imprensa, Sérgio Guerra informou que teria devolvido o dinheiro, caso tivesse sido cobrado. Em setembro de 2009, o TCU anunciou que iria pedir a restituição.
Não escapou nem a Corregedoria do Senado, responsável por zelar pelo decoro parlamentar. O corregedor, Romeu Tuma (PTB-SP), tinha 46 funcionários comissionados, e parecia comandar um cabide de empregos. Do total, 17 haviam sido nomeados por atos secretos. Enquanto isso...
Durante os cinco anos em que esteve preso, condenado por latrocínio (roubo seguido de morte), o funcionário João Paulo Esteves Coutinho recebeu os salários em dia. Esteve lotado no gabinete do senador Marco Maciel (DEM-PE). Ao todo o Senado depositou R$ 219 mil em nome do preso. História confusa: o irmão dele, Silvio Esteves Coutinho, funcionário no mesmo gabinete de Marco Maciel, teria assinado as folhas de frequência e recebido os salários no lugar de João Paulo. Alegou que o irmão não cumpria expediente por sofrer de tuberculose e alcoolismo. Por cinco anos! Silvio seria o responsável pelo desvio, embora isso não o tenha impedido de continuar empregado no Senado por mais 13 anos. E João Paulo, alheio à irregularidade, cumpriu a pena e reassumiu o cargo. Acabou afastado com diagnóstico de alienação mental. O Senado não divulgou o valor da aposentadoria.
O motorista do ex-deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, Eduardo Nunes Serdoura, morador do Rio, foi acusado de ser funcionário-fantasma do Senado entre 2007 e 2009. A irmã de Caroline Medeiros Collor de Mello, mulher do senador Fernando Collor (PTB-AL), teve cargo na presidência do Senado. O senador Heráclito Fortes (DEM-PI) abrigou Tatiana Maria Pedrosa Maria Lima, casada com Afrísio Vieira Lima Filho, irmão do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA).
O senador Mão Santa (PMDB-PI) tinha um assessor, Aricelso Lopes, suspeito de ser funcionário-fantasma. No papel exercia a função de coordenador de atividade policial no Senado. Na prática ficava mesmo no Piauí. Explicação do gabinete de Mão Santa: Aricelso Lopes foi contratado para capturar um tal pistoleiro que ameaçava o senador. Outro que vivia no Piauí e também era lotado no gabinete de Mão Santa, nomeado por ato secreto, era Nilton Carvalho Neto, conhecido como o poeta "Neto Sambaíba".
A nora do senador Efraim Morais (DEM-PB), Flávia Carolina Braz Rocha, casada com o deputado Efraim Filho (DEM-PB), tinha cargo no Senado. O filho do senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Rafael de Almeida Neves Júnior, foi nomeado por ato secreto. Já o senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) teve quatro funcionários emplacados por meio de atos secretos.
Um ato secreto deu cargo de R$ 10 mil a Antonio José Costa Freitas Guimarães no Senado. Ele trabalhava na Câmara para o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA). Outro ato secreto garantiu emprego no Senado para Andressa Alves, filha do deputado Henrique Alves (PMDB-RN). A mulher do governador de Sergipe, Marcelo Déda (PT), Eliane Aquino, recebeu salário mensal de R$ 6.400, durante sete anos, no gabinete do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). A primeira-dama não cumpria expediente no Senado.
O sobrinho do senador Paulo Paim (PT-RS), Alexandre Rafael Carvalho Paim, talvez por ter o mesmo sobrenome do tio, foi empregado numa empresa terceirizada, a Adservis, uma das 14 contratadas para prestar serviços no Senado. Juntas, elas empregavam, em 2009, 299 funcionários que tinham parentesco com servidores do Senado. Só a Adservis tinha 101 parentes. E, claro, dois contratos, no valor de R$ 26,8 milhões por ano, com o Senado.
Ex-deputado do PSOL, João Alfredo foi contratado como consultor pelo gabinete do deputado Chico Alencar (PSOL-RJ). Durante 19 meses recebeu R$ 49.700 da verba indenizatória de Chico Alencar. Já a funcionária Solange Amorelli teria mantido vínculo empregatício no gabinete da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), mesmo nos dois anos em que morou nos Estados Unidos. A ex-mulher do deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS), Maria Eliane, trabalhou no Senado, nomeada por ato secreto, durante quase três anos.
O senador Adelmir Santana (DEM-DF), que presidia a Federação do Comércio de Brasília, usou R$ 12 mil da verba indenizatória de seu gabinete para pagar empresa de consultoria de um diretor da Fecomércio, Carlos Augusto Guimarães Baião. Adelmir Santana também admitiu ter tido dois funcionários comissionados em seu gabinete que prestavam serviços para o vice-governador do Distrito Federal, Paulo Octávio (DEM).
Secretário de Transportes do Distrito Federal, o deputado licenciado Alberto Fraga (DEM) teve a sogra, Gilda de Souza Dias, e o cunhado, José Alexandre França Brasil, nomeados no gabinete do deputado Osório Adriano (DEM-DF), suplente de Alberto Fraga. Já João Ribeiro da Silva Neto, namorado da filha de Alberto Fraga, foi nomeado para a própria Secretaria de Transportes. Os três sofreram acusação de ser funcionários-fantasmas.
Outro caso envolvendo a dupla: Osório Adriano, o suplente, herdou do gabinete de Alberto Fraga, o secretário, a funcionária Izolda da Silva Lima. Apesar de nomeada na Câmara, ela trabalhava como empregada doméstica na casa de Alberto Fraga. Ele concordou em conceder entrevista à GloboNews:
- É uma empregada que presta serviços domésticos. Perdão... Que presta serviços externos e... Agora, realmente, ficou complicado explicar...
Por dois anos e meio, o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) manteve como secretária parlamentar de seu gabinete Maria Helena de Jesus. Só que ela era empregada doméstica no apartamento de Arnaldo Jardim, em Brasília. "Lavo, passo e cozinho", contou Maria Helena. O deputado, por sua vez, com a fotografia nos jornais, tratou de exonerar a funcionária. E explicou:
- Pensei que ela pudesse não só ajudar esporadicamente no gabinete, como também prestando serviços no apartamento. Quando eu soube que isso não era possível, eu a desliguei.
Mais verbas indenizatórias. O senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) teria destinado R$ 7 mil mensais para justificar a contratação de serviços de locomoção de interesse de seu gabinete. O beneficiário, um amigo de Ivan Sarney, irmão de José Sarney, possuiria empresa de transporte escolar e fretamento de ônibus. Tem mais: Epitácio Cafeteira também usou verba indenizatória para pagar o condomínio do edifício Granville, em São Luís, onde era proprietário de um apartamento residencial. A despesa foi declarada como aluguel de escritório político.
Outro afilhado político de José Sarney, o senador Gilvam Borges (PMDB-AP), destinou a verba indenizatória, de R$ 15 mil mensais, para pagar o "escritório político", uma fábrica de toldos na periferia de Macapá. O dono da empresa era filiado ao PMDB. Em 18 meses, entre 2008 e 2009, toda a verba indenizatória de Gilvam Borges, de R$ 270 mil, nutriu o correligionário.
O senador Fernando Collor (PTB-AL) teria usado verba indenizatória para custear gastos particulares. Apesar de morar em apartamento funcional do Senado, lançou mão de R$ 10.616, em maio de 2009, para quitar serviços de conservação, limpeza e segurança prestados pela Cintel Service, empresa contratada para guardar sua residência privada, a Casa da Dinda.
Em ofício de setembro de 2009, o presidente do Senado, José Sarney, encaminhou parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal) para negar a possibilidade de divulgação das notas fiscais apresentadas pelos senadores, referentes a gastos de 2008 ressarcidos por verbas indenizatórias. A divulgação poderia "abalar gravemente as instituições da República". Trecho do documento, assinado pela Advocacia-Geral do Senado:
"Mesmo sendo dinheiro público, por vezes a verba indenizatória também custeia despesas relacionadas à segurança nacional ou que revelam aspectos da intimidade e da vida privada de cada parlamentar."
A Folha de S.Paulo obteve, por via judicial, dados sobre 70 mil notas fiscais apresentadas por deputados nos últimos quatro meses de 2008. Elas justificariam o uso de verbas indenizatórias. O festival de supostas empresas de fachada, com os respectivos endereços-fantasmas, envolveria os senhores Marcio Junqueira (DEM-RR), Severiano Alves (PMDB-BA), Uldurico Pinto (PHS-BA), Zezéu Ribeiro (PT-BA), Tonha Magalhães (PR-BA), Mário de Oliveira (PSC-MG), Eugênio Rabelo (PP-CE) e Airton Cirilo (PT-CE).
O levantamento apontou, entre outras irregularidades, suspeitas de uso indevido de verbas indenizatórias para custear gastos nas eleições de 2008. Teriam feito emprego inadequado do dinheiro os deputados Giovanni Queiroz (PDT-PA), Jader Barbalho (PMDB-PA), Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), Fernando Gabeira (PV-RJ), Paulo Rocha (PT-PA), Narcio Rodrigues (PSDB-MG) e Fábio Ramalho (PV-MG).
Outros deputados teriam usado as verbas para contratar as próprias empresas. São os seguintes, segundo o jornal: Osório Adriano (DEM-DF), Dilceu Sperafico (PP-PR), Antônio Andrade (PMDB-MG), Marcelo Teixeira (PR-CE), Nice Lobão (DEM-MA) e Edmar Moreira (PR-MG).
Por fim, outra dose de auxílio-moradia. O senador José Nery (PSOL-PA) recebia R$ 3.800 mensais, apesar de morar no apartamento de uma assessora em Brasília. O senador Gerson Camata (PMDB-ES) e a mulher dele, deputada Rita Camata (do PMDB se transferiu para o PSDB-ES), recebiam, ambos, os respectivos benefícios, no total de R$ 6.800. Mas o casal morava em apartamento próprio em Brasília. O senador chorou ao dar explicações.
Outros três senadores receberam auxílio-moradia, mesmo ocupando apartamentos funcionais do Senado. João Pedro (PT-AM), Cícero Lucena (PSDB-PB) e Gilberto Gollner (DEM-MT) prometeram solicitar o cancelamento do benefício, depois que a situação deles se tornou pública. Eles engordaram suas contas bancárias com, respectivamente, R$ 45.600, R$ 79.800 e R$ 41.800. Nenhum dos três senadores falou em devolver o dinheiro.
A Câmara autorizou o deputado licenciado Gastão Vieira (PMDB-MA) a manter um apartamento funcional da Casa em Brasília, mesmo morando em São Luís. Ele era secretário de Planejamento e Orçamento da governadora Roseana Sarney (PMDB-MA) e suas duas filhas ocupavam o imóvel na capital federal. Roseana Sarney, aliás, usou R$ 11.970 da verba indenizatória do Senado, antes de virar governadora, para contratar a Pads Assessoria de Desenvolvimento Social. A empresa, de São Luís, pertencia a Conceição Andrade, nomeada depois secretária de Desenvolvimento Agrário do Maranhão. Explicação de Conceição Andrade:
- Era um serviço mais de acompanhamento, de elaboração de projeto, alguma coisa assim nesse sentido.
Falta José Sarney. O presidente do Senado morava em imóvel próprio, além de dispor de residência oficial. Mesmo assim, pôs no bolso o auxílio-moradia. Em 26 de maio de 2009, Sarney negou. "Nunca", exclamou. A Folha de S.Paulo informou que o nome dele estava na relação dos beneficiários. Sarney negou novamente. De acordo com assessores, a lista era falsa. No dia seguinte, Sarney teve de admitir. Recebera R$ 3.800 por mês, durante dois anos. Total: R$ 91.200. Explicação, a cargo da assessoria: Sarney desconhecia o pagamento mensal em sua conta bancária e pediu a suspensão do benefício. Não mencionou eventual devolução da quantia.
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