O tamanho da crise no Senado não teve precedente. Apesar de cercado por um oceano de acusações, indícios e evidências de abusos, desmandos e uso do cargo em benefício próprio, de parentes, aliados e amigos, o presidente da Casa, senador José Sarney (PMDB-MA), continuou a receber apoio político do presidente Lula. Quanto mais deteriorada e escancarada a situação de Sarney, mais Lula se empenhou em minimizar condutas inadequadas, desqualificar denúncias e apresentar-se como o protetor absoluto do líder maranhense. O presidente da República fez de tudo para salvá-lo. Conseguiu. Aqui, um resumo do escândalo que mobilizou a opinião pública em 2009, entremeado com a defesa do chefe Lula e de seus principais operadores.
Com a revelação de que o Senado tomava decisões por meio de atos secretos, em junho daquele ano, Sarney foi posto na berlinda. Afinal, Agaciel Maia, o diretor-geral apontado como o maior responsável por esconder medidas que implicavam gastos públicos, sem divulgá-las, fora escolhido para comandar a Casa, 14 anos antes, por Sarney. Os atos secretos atingiram diretamente o velho líder do Maranhão.
O escândalo trouxe à tona que João Fernando Michels Gonçalves Sarney, neto de Sarney, havia sido nomeado, com 20 anos, secretário parlamentar do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), num dos postos mais altos da estrutura funcional do Senado. Ficou no "emprego", aparentemente sem aparecer por lá, por quase dois anos. O salário dele era de R$ 7.600, sem contar os benefícios.
Do presidente Lula:
- Eu sempre fico preocupado quando começa no Brasil esse processo de denúncias, porque ele não tem fim e depois não acontece nada.
Em razão da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que proibiu o nepotismo no poder público, o jovem João Fernando, filho do empresário Fernando Sarney, primogênito de José Sarney, não poderia continuar usufruindo a sinecura. Puseram em seu lugar, com o mesmo salário, a mãe, uma ex-candidata a Miss Brasília, Rosângela Terezinha Michels Gonçalves.
Antes da nomeação da mãe do rapaz no Senado, a Polícia Federal gravou uma conversa telefônica entre Fernando Sarney e João Fernando. No diálogo, travado em 27 de agosto de 2008, o pai acalmava o filho, temeroso de perder o emprego, em razão do cerco ao nepotismo no Congresso. Fernando Sarney explicou que já acertara a situação com o senador Epitácio Cafeteira:
- Se tiver que, de alguma forma, ter uma atitude, tiver que sair mesmo, ele já me disse que o lugar é meu, que eu boto quem eu quiser.
De Lula:
- Não sei a quem interessa enfraquecer o Poder Legislativo no Brasil, mas eu penso o seguinte: quando o Congresso foi desmoralizado e fechado, foi muito pior para a democracia e para o Brasil.
Com o escândalo do neto de Sarney nos jornais, Epitácio Cafeteira procurou justificar o emprego a João Fernando, filho de relação extraconjugal:
- Eu devia favores ao Fernando. Ele me ajudou na campanha.
Sobre a contratação da mãe, no lugar do neto:
- Eu a convidei. Quem resolve quem trabalha no meu gabinete sou eu.
Agora, o senador responde sobre o trabalho da nova "assessora":
- Não existe tipo de trabalho, no gabinete todos trabalham.
De Lula:
- O que ganharia o Senado em ter uma contratação secreta, se tem mais de 5 mil funcionários transitando por aqueles corredores? Por que haveria de ter alguém secreto? Essa história precisa ser melhor explicada.
Os repórteres Fernando Rodrigues e Valdo Cruz, da Folha de S.Paulo, quiseram saber de José Sarney o que ele achava de Epitácio Cafeteira ter nomeado João Fernando pelos favores devidos a Fernando Sarney. Resposta:
- Vocês acham que eu, como presidente do Senado, tenho minha biografia, vou discutir uma coisa dessa? Não vou discutir um assunto desse. Minha resposta para vocês é essa.
De Lula, reclamando de notícias de jornal sobre nomeações no Senado:
- O povo não aguenta mais que as coisas secundárias sejam transformadas em prioritárias e as prioritárias sejam esquecidas.
Ato secreto nomeou Vera Portela Macieira Borges, sobrinha de José Sarney. Por mais de seis anos, ela recebeu salários de R$ 4.600, sem contar os benefícios, na capital de Mato Grosso do Sul. Oficialmente, prestava serviços no escritório político do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Ele confirmou:
- Sarney me solicitou, porque ela estava aqui, em Campo Grande, e eu atendi.
De Lula, criticando a "política do denuncismo" da imprensa:
- O que não pode é todo dia se arrumar uma vírgula a mais ou repetir a mesma matéria. Vai desmoralizando todo mundo, cansando todo mundo. E inclusive a imprensa corre risco, porque ela também tem de ter a certeza de que não pode ser desacreditada.
Sem o sobrenome do irmão famoso, ficou fácil para José Sarney esconder a irmã por parte de pai, Ana Maria da Costa Bastos, em seu gabinete pessoal no Senado. Ela foi nomeada como secretária parlamentar em janeiro de 2005, com salário de R$ 7.400. Em seguida, "rebaixada" para assistente parlamentar, passou a receber R$ 4.900 mensais. Ainda em 2005, no primeiro mandato de Lula, acabou transferida para o gabinete do então senador Edison Lobão, aliado histórico de Sarney. De lá Ana Maria da Costa Bastos só saiu em outubro de 2008, após ser exonerada por ato secreto.
Outra sobrinha de Sarney também conseguiu trabalho no Senado. Maria do Carmo de Castro Macieira foi comissionada no gabinete da senadora Roseana Sarney (PMDB-MA), filha do líder maranhense. Mas não ficava em Brasília. Prestaria serviços em São Luís, no escritório político de Roseana. O ato secreto que a nomeou teve a assinatura de Agaciel Maia.
Do ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB-PE):
- O apoio ao presidente Sarney é absoluto.
Virgînia Murad de Araújo, parente de Jorge Murad, marido de Roseana Sarney, ganhou cargo de assistente parlamentar na Liderança do Governo no Congresso em 2007. Na época, a líder de Lula era a própria Roseana. Após dois anos, Virgínia Murad permanecia na folha de pagamentos do Senado.
De Lula:
- O governo tem sua programação determinada, acho que todos os senadores, a começar pelo presidente Sarney, têm responsabilidade de dirigir bem os destinos do País, do Congresso. Vamos esperar que essas coisas se resolvam rápido.
Sobrinha de Jorge Murad, Isabella Murad Cabral Alves dos Santos foi contemplada com emprego na Liderança do PTB no Senado em 2007. O líder era Epitácio Cafeteira. Garantida a boquinha, a moça foi morar na Espanha. Recebendo os salários. O senador disse que não sentiu falta de Isabella. "Não sou fiscal de funcionário". E recorreu a outro tio dela, o amigo Eduardo Lago:
- Ele é tio dela e me pediu que nomeasse, mas esqueceu de avisar que ela tinha conseguido uma bolsa de estudos na Espanha.
De Lula, ao reclamar da "predileção pela desgraça" na cobertura jornalística sobre a crise que envolvia José Sarney:
- Há tanta coisa boa que acontece. Quando liga a TV e lê jornal, o que está estampado é a desgraça!
Empossada como governadora em 2009, Roseana Sarney escolheu a filha do senador Epitácio Cafeteira, Janaína, como sua assessora de Programas Especiais do Maranhão. Antes, a moça tinha tido cargo no gabinete do pai. Saíra em razão da legislação antinepotismo.
De Lula:
- Para chegar ao Senado, é preciso ter mais de 35 anos. Se tem problema, só tem uma solução: é consertar o problema. Se não tiver problema, é mostrar que não tem. E foi essa a disposição do presidente José Sarney na conversa que tive com ele. Não vamos fazer disso uma causa nacional, porque temos coisas mais importantes para discutir no Brasil.
Shirley Duarte Pinto de Araújo, cunhada de José Sarney, esteve empregada no gabinete de Roseana Sarney por seis anos, desde o começo da era Lula. Shirley era mulher de Ernane Cesar Sarney Costa, irmão de José Sarney e secretário particular de Roseana. No início do segundo mandato de Lula, o salário dela subiu de R$ 2.400 para R$ 7.600. Os nomes de Ernane e Shirley apareceram na Operação Navalha, que investigou atividades da construtora Gautama. Ela seria destinatária de depósitos suspeitos de dinheiro.
De Lula:
- O povo brasileiro já viu muitos escândalos. Ao longo da história, o que mais vemos são escândalos, divulgados em verso e prosa, que depois não dão em absolutamente nada.
Mais um do clã José Sarney empregado com cargo público. Amaury de Jesus Machado, o "Secreta", apontado pelo jornal O Estado de S. Paulo como mordomo de Roseana Sarney, era funcionário efetivo do Senado. Com as gratificações, ganhava cerca de R$ 12 mil. Estava lotado no gabinete de Mauro Fecury (PMDB-MA), o suplente que substituiu Roseana Sarney quando ela assumiu o governo do Maranhão em 2009.
Secreta, o secretário, trabalhava na residência de Roseana no Lago Sul, em Brasília. Era o faz-tudo da família. Cuidava dos serviços de copa e cozinha, dava ordens a outros empregados da casa e organizava as recepções promovidas por Roseana. Para compensar o apoio de Mauro Fecury a Secreta, o irmão do senador, Sidney de Lima Fecury, tinha emprego no gabinete do deputado José Sarney Filho (PV-MA). Secreta fez ameaça:
- Eu sempre trabalhei no Congresso Nacional e vou processar quem disse o contrário.
De Lula, em reunião reservada com assessores, na qual o presidente dá ordem para "tentar segurar" Sarney:
- Sarney foi eleito. Os senadores o elegeram. Acho que ele tem um compromisso de fazer apuração e me disse que está apurando.
José Sarney criou o Conselho Editorial do Senado. Era como um cabide de empregos. Nathalie Rondeau, então com 19 anos, ganhou cargo no órgão em 2005. Por ato secreto. Ela é filha de Silas Rondeau, nomeado ministro de Minas e Energia do governo Lula, por indicação de Sarney. Tempos depois, acusado de envolvimento no esquema de corrupção da Operação Navalha, Silas Rondeau, como já vimos, teve de se afastar. Nathalie Rondeau, não.
A Operação Navalha celebrizou Zuleido Veras, dono da construtora Gautama. A agenda dele, apreendida pela Polícia Federal, registrava anotações relativas à "Dama", uma referência a então candidata a governadora do Maranhão em 2006, Roseana Sarney. A agenda também mencionava "Roseana" e, em determinada página, a palavra "Dama" havia sido escrita sobre "Roseana". As anotações indicariam doação de R$ 1 milhão para a candidata. Os Sarney não foram incluídos no relatório da Operação Navalha.
De Lula:
- O que eu não quero é transformar as coisas que aconteceram no Senado em uma coisa institucional. Ali todo mundo tem maioridade, todo mundo sabe o que acontece, todo mundo toma a decisão e resolve.
Em 2007, um ato secreto nomeou Luiz Cantuária Barreto, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Amapá, um protegido de Sarney, no Conselho Editorial do Senado. Durante 14 meses ele receberia salários de R$ 7 mil. Ato secreto também guindou ao cabide de empregos Ricardo Araújo Zoghbi, filho do diretor de Recursos Humanos do Senado, João Carlos Zoghbi.
De Lula, ao dizer que a imprensa tem menos poder que há alguns anos:
- O jornal fica tão velho que todos os jornais criaram blogs para informarem seus eleitores junto com os internautas do mundo inteiro.
Sócia de Maria Adriana Sarney, filha de Fernando Sarney, a empresária Zenicéia Silva de Assis foi nomeada por ato secreto assinado por Agaciel Maia, em 2007, num cargo do Conselho Editorial do Senado. Palavras dela:
- Os assessores do presidente Sarney me avisaram da nomeação.
Zenicéia Silva de Assis não chegou a ocupar o cargo. Achou o salário oferecido, de R$ 2.794, baixo demais. Já Osvaldino Gonçalves de Brito, com ligações estreitas com Sarney, teve a "sorte" de ser efetivado como funcionário de carreira, por ato secreto, sem prestar concurso público.
De Lula:
- Não critico a imprensa por conta do Senado. É pelo denuncismo desvairado, que às vezes não tem retorno. Há uma prevalência da desgraça sobre as coisas boas. A Nação precisa de boas notícias, de autoestima para poder vencer esse embate com a crise internacional.
O Senado empregou dois funcionários vinculados à Fundação José Sarney, entidade privada que mantinha um museu, em São Luís, capital do Maranhão, com acervo do período em que Sarney foi presidente da República (1985-1990). Raimundo Nonato Quintiliano Pereira Filho era dono de cargo em Brasília havia 14 anos, desde a época em que Sarney foi presidente do Senado pela primeira vez. Salário mensal de "Raimundinho", em 2009: R$ 7.600. Em São Luís, ele atuava como coordenador de projetos da Fundação e respondia como presidente da Abom (Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês), entidade cujo "presidente de honra e perpétuo" era Sarney. Já Fernando Nelmásio Silva Belfort manteve cargo no gabinete da Liderança do Governo de 2007 a 2009, período em que a líder de Lula atendia pelo nome de Roseana Sarney. Ele era diretor-executivo da Fundação, localizada no histórico Convento das Mercês, centro histórico de São Luís.
Do senador Edinho Lobão (PMDB-MA), filho do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a respeito de Raimundinho, lotado em seu gabinete:
- No Maranhão, a gente faz parte de uma grande família política. Liberei para trabalhar no Convento porque, trabalhando para o presidente Sarney, ele está trabalhando para nós.
Esculhambado Brasil afora e diante da ameaça de um generalizado "fora, Sarney!", o presidente do Senado quase perdeu apoio do PT. Candidatos às eleições de 2010, senadores petistas temiam o desgaste junto ao eleitorado se ficassem ao lado de Sarney. O líder maranhense cogitou deixar o cargo. Mas, prontamente, Lula entrou em campo e enquadrou os correligionários.
Da África, designou a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT-RS), para conversar com Sarney e impedi-lo de se afastar da presidência do Senado. Outro que operou nas sombras para selar o suporte do PT e da base aliada a Sarney, como relatou a revista Veja, foi o ex-ministro José Dirceu (PT-SP).
Como um articulador político informal de Lula, José Dirceu tomou café da manhã "de amigos" com Sarney. Assegurou que o PT não o atrapalharia no Senado. Aos jornalistas, afirmou que o PT não poderia prejulgar Sarney:
- Tenho procurado ajudar ao alertar desde o começo que há duas questões: a crise institucional no Senado e a tentativa de derrubar Sarney, desestabilizar o governo e a aliança PT e PMDB.
Por trás das alegações em defesa da governabilidade e da necessidade de apoio do PMDB nas eleições de 2010, Lula devolvia, na prática, a ajuda de Sarney na crise do mensalão. Para a opinião pública, porém, o presidente da República tratava de escamotear, usando gíria de futebol.
De Lula, para quem a oposição queria ganhar o Senado no "tapetão":
- Assim não é possível. Isso não faz parte do jogo democrático.
Constrangido, Aloizio Mercadante (SP), líder do PT no Senado, procurou pôr fim à rebelião. O senador petista, mais a líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), e outros oito senadores do partido foram visitar Sarney. Coube ao "arrependido" Aloizio Mercadante falar aos jornalistas:
- A renúncia é uma possibilidade que ele pode vir a tomar. Mas, no nosso ponto de vista, não é a melhor escolha, porque a crise não pode ser atribuída a ele. Desses 14 anos de atos secretos, ele foi presidente por apenas quatro anos.
O líder do PT na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (SP), próximo de José Dirceu, também esteve com o presidente do Senado:
- Fui como líder, prestar solidariedade.
Sarney emprestou irregularmente apartamento funcional do Senado, em seu nome, para o ex-senador maranhense Bello Parga, que não exercia mais o mandato. Favor de Sarney, com dinheiro público. Valéria Freire dos Santos, funcionária de Sarney, nomeada por ato secreto, morou quatro anos em imóvel localizado no térreo de um dos prédios que servem de moradia exclusiva para senadores em Brasília. Favor de Sarney, com dinheiro público.
Dácio Vieira, desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, cujo nome fazia alusão a um conhecido grupo folclórico do Maranhão. A investigação da Polícia Federal corria sob segredo de Justiça. O desembargador atendeu a pedido de Fernando Sarney. A propósito: Dácio Vieira ocupou cargo de confiança na gráfica do Senado, na época em que o órgão era chefiado pelo amigo Agaciel Maia. José Sarney, com quem ele manteria ligações, o indicara para o Tribunal de Justiça.
Sarney utilizou R$ 8.600 da verba indenizatória do Senado para contratar empresa que organizasse seu acervo pessoal de livros. O arquivo ficava na residência particular de Sarney em Brasília. Favor de Sarney, para Sarney, com dinheiro público. Sarney mobilizou por três vezes agentes da Polícia Legislativa do Senado para proteger propriedades de sua família no Maranhão. As despesas com deslocamentos, estimadas em R$ 30 mil, incluíram diárias e passagens aéreas. Sete agentes públicos ficaram dez dias à disposição de Sarney. A justificativa foi o julgamento de seu adversário Jackson Lago (PDT), governador do Maranhão. Ele seria afastado do cargo para Roseana Sarney assumir. O presidente do Senado temia que seus imóveis fossem depredados no processo. Favor de Sarney, para Sarney, com dinheiro público.
Ex-secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira denunciou que, em encontro reservado com a ministra Dilma Rousseff (PT-RS) no final de 2008, pouco antes da eleição de José Sarney à presidência do Senado, recebeu da chefe da Casa Civil pedido para concluir com rapidez investigações nas empresas da família Sarney. Na época, a Receita Federal vasculhava negócios do clã. De Lina Maria Vieira sobre a reunião com a ministra:
- Falamos sobre amenidades e, então, ela me perguntou se eu podia agilizar a fiscalização do filho do Sarney.
A ex-secretária da Receita Federal entendeu as palavras da ministra como um recado "para encerrar" a investigação. Palavras de Lina Maria Vieira:
- Fui embora e não dei retorno. Acho que eles não queriam problema com o Sarney.
A devassa, contudo, não esmoreceu. Na época, Lula apoiava a eleição de Sarney, e continuou ao seu lado depois. Lina Maria Vieira forneceu mais detalhes da reunião. Relatou que o encontro fora solicitado por Erenice Guerra, conhecida como braço-direito de Dilma Rousseff no Ministério da Casa Civil, "e que era para ser sigiloso":
- Estive lá, antes a chefe de gabinete dela foi ao meu gabinete, agendou isso para ser uma coisa informal, que não constasse nem da minha agenda nem da dela. Eu cheguei pela garagem, sem identificação, conversei com ela e voltei.
Lina Maria Vieira foi demitida no auge da crise que envolvia Sarney. Segundo ela, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, justificou a exoneração alegando que a ordem viera "de cima, do Palácio do Planalto".
Um dos principais assessores de José Sarney, o ex-deputado Chiquinho Escórcio, empregou no Senado, com a anuência do chefe, a mulher, Alba Leide Nunes Lima, e a filha, Juliana. A mulher, no próprio gabinete de Sarney. A filha, no do senador Mauro Fecury (PMDB-MA). E ele, Chiquinho, foi escolhido por Roseana Sarney para ser representante do Governo do Maranhão em Brasília. Sem vagas em seu gabinete, Sarney tinha de solucionar o caso de seu assessor de imprensa para o Amapá, Said Dib. Do assessor:
- O presidente Sarney pediu para o Agaciel encontrar uma solução para me manter como assessor, e a solução foi uma lotação na Direção-Geral.
Com respaldo do presidente Lula, José Sarney autorizou a instalação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar irregularidades na Petrobras. Era uma tentativa de tirar o presidente do Senado do centro da crise. Pensaram que assim desviariam o foco das atenções da imprensa e da oposição. Entretanto, a CPI teria amplo controle por parte dos senadores da base aliada. Eles barrariam qualquer apuração que incomodasse o governo.
De Lula, depois de acertado que PT e PMDB trabalhariam juntos, a fim de blindar José Sarney e a CPI:
- No mensalão, eu fui para o corner e sei o que passei. Agora, no final do meu governo e com eleição pela frente, a base tem que estar unida.
Maria Vandira Peixoto, secretária particular de Sarney, foi nomeada no Senado por ato secreto, assinado por Agaciel Maia. Ganhou o cargo em 2003, no começo do primeiro mandato de Lula, quando Sarney ocupou a presidência da Casa pela segunda vez. Salário da fiel escudeira, em 2009: R$ 9.900.
Em reunião ministerial na Granja do Torto, Lula pediu a seus auxiliares para cerrar fileiras em torno de José Sarney, e lembrou dos "15 minutos de glória" da oposição, nos tempos do mensalão:
- É importante ser leal a Sarney, porque há uma campanha pesada contra ele e não se pode individualizar as acusações.
Gabriela Aragão Guimarães Mendes, filha do ajudante de ordem de Sarney, Aluísio Guimarães Mendes Filho, também conseguiu cargo de Agaciel Maia. Empregada desde 2007 como assessora parlamentar no gabinete do próprio Sarney, a moça não apareceria para trabalhar. Apenas receberia salário.
De Lula:
- Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum.
Da história: durante a ditadura militar (1964-1985), José Sarney presidiu a Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido político que deu sustentação civil ao regime dos generais. Depois presidiu o PDS (Partido Democrático Social), sucessor da Arena. Ele ingressou no PMDB já no período de abertura democrática, para ser candidato a vice-presidente de Tancredo Neves (1910-1985). Da jornalista Miriam Leitão, em O Globo:
- O presidente Lula sugeriu que olhássemos o passado do senador. Ele tem um passado marcante. Por 21 anos, foi um dos biombos civis de um regime que matou, torturou, censurou, cassou, fechou o Congresso e rasgou a Constituição. Sarney permaneceu fiel a ele. Esse é o passado que o distingue.
Deste autor: se José Sarney não era pessoa comum, como advertiu Lula, e, portanto, estava acima das leis que regem a sociedade, imagine o que o presidente achava de si próprio. Inimputável! Em outras palavras, Lula, como Sarney, não poderia ser responsabilizado por "deslizes", pois teria prestado relevantes serviços ao País. O que é isso senão o execrável "rouba, mas faz"? O pior, porém: fez-se pouco pelo Brasil, infelizmente, como atesta o nosso baixo grau de desenvolvimento. Apesar da propaganda oficial, basta percorrer bairros mais afastados, periferias, vilas e comunidades brasileiras para ver a angústia e o sofrimento de milhões de pessoas que moram em barracos e casas precárias, sem acesso a saneamento básico nem condições dignas de vida. O Maranhão, aliás, é um dos maiores exemplos da incúria dos nossos administradores. A pobreza, a desigualdade e a exclusão social são consequência da ausência de políticas e homens públicos competentes, comprometidos com a aplicação honesta e responsável dos recursos do povo.
O jornal O Estado de S. Paulo revelou um esquema para emprestar dinheiro a funcionários do Senado, investigado pela Polícia Federal, que envolvia José Adriano Cordeiro Sarney, outro neto de José Sarney. Filho do deputado José Sarney Filho (PV-MA), o rapaz abriu a corretora Sarcris Consultoria, Serviços e Participações em 2007, apenas quatro meses após o diretor de Recursos Humanos do Senado, João Carlos Zoghbi, ter iniciado as atividades da Contact Assessoria de Crédito, registrada, como vimos, em nome de sua babá.
Em pouco mais de dois anos, seis bancos autorizaram José Adriano a intermediar operações de crédito consignado no Senado. Ele informou aos repórteres Rodrigo Rangel e Rosa Costa que o "carro-chefe" da Sarcris era o banco HSBC. Sobre o faturamento anual da sua empresa, que atuaria também na Câmara dos Deputados, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Tribunal Superior do Trabalho e Superior Tribunal Militar, José Adriano foi lacônico:
- Menos de R$ 5 milhões.
O HSBC admitiu ter executado operações de crédito consignado no Senado intermediadas pela Sarcris. Emprestou R$ 3,6 milhões a funcionários, o que gerou comissão de R$ 182 mil à empresa do neto de Sarney. A Sarcris também teria participado da venda de seguros de vida a servidores do Senado.
Do editorial "Os compadres", da Folha de S.Paulo:
"O presidente da República torna-se fiador do que há de mais retrógrado na política brasileira. Abençoa de bom grado o compadrio – bem como sua matriz, o patrimonialismo – que displicentemente afirma combater. O uso de contratos, cargos e dinheiro públicos para beneficiar amigos e parentes é o roteiro monótono do interminável escândalo do Senado."
Mansão de 694 metros quadrados de área construída, avaliada em R$ 4 milhões, erguida na Península dos Ministros, Lago Sul, área nobre de Brasília. A residência deixou de ser incluída nas relações de bens de José Sarney apresentadas à Justiça Eleitoral, nas eleições de 1998 e 2006. Sarney defendeu-se, alegando ter ocorrido "erro técnico", "equívoco" e "esquecimento". Informou que o imóvel havia sido declarado no Imposto de Renda, também entregue ao TCU (Tribunal de Contas da União). Não mencionou que o IR é protegido por sigilo fiscal. Apenas as declarações à Justiça Eleitoral são públicas e, portanto, acessíveis a eleitores e imprensa. Em 2006, Sarney não declarou à Justiça Eleitoral sua luxuosa casa de praia, no valor de R$ 531 mil, localizada na praia do Calhau, no Maranhão.
Em discurso na posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, Lula atacou a "imprensa que às vezes quer condenar antes do processo ser feito corretamente":
- A única coisa que eu peço é que uma instituição que tem o poder que tem o Ministério Público brasileiro, garantido pela Constituição, tem o dever e a obrigação de agir com a máxima seriedade, não pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação, mas pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado.
Em 2005, sob a tensão do escândalo do mensalão, José Sarney solicitou ao Ministério da Cultura recursos para um projeto cultural da Fundação José Sarney. A entidade privada tinha como presidente vitalício, como se sabe, o próprio José Sarney. A Petrobras atendeu prontamente, por meio da legislação que concede incentivos fiscais a empresas que investem em projetos culturais. Pois bem: quatro anos depois, descobriu-se que pelo menos R$ 500 mil do R$ 1,3 milhão repassado pela Petrobras teriam sido desviados para empresas ligadas ao clã Sarney. A denúncia saiu em O Estado de S. Paulo.
Os repórteres Rodrigo Rangel e Leandro Colon apuraram que o projeto prevendo a digitalização dos documentos do museu não foi executado. Eles deveriam ser acessíveis aos visitantes, em computadores instalados nos corredores do Convento das Mercês. Mas não havia micros por lá.
As diversas suspeitas: para justificar um saque de R$ 145 mil do dinheiro do patrocínio, anexaram recibos da própria Fundação. Em nome da veiculação de comerciais sobre o projeto, R$ 30 mil foram parar nas contas da TV Mirante e das emissoras de rádio Mirante AM e a Mirante FM, todas de propriedade da família Sarney.
Na prestação de contas havia recibo no valor de R$ 35 mil em nome de uma ex-funcionária da Fundação, Raimunda Santos Oliveira. Ela explicou assim:
- Não sei do que você está falando.
Uma das contratadas, a Ação, Livros e Eventos, teve como sócia a mulher de Antônio Carlos Lima, o "Pipoca", secretário de Comunicação da governadora Roseana Sarney. Faturou R$ 70 mil. Das 34 notas fornecidas, 30 eram sequenciais, como se a Fundação José Sarney fosse a única cliente da empresa. Pipoca integrava o Conselho Fiscal da Fundação.
Na época da revelação da maracutaia com o projeto cultural bancado pela Petrobras, Pipoca era assessor do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Félix Alberto Lima, irmão de Pipoca, vinha a ser dono da Clara Comunicação. Ele forneceu R$ 103 mil em notas para o projeto. Alegou que o divulgou:
- Não sei de projeto, me chamaram para fazer esse trabalho, e cumpri isso profissionalmente.
O Centro de Excelência Humana Shalom, por sua vez, teria recebido R$ 72 mil da Fundação José Sarney. No endereço atribuído à empresa, em São Luís, morava a professora Joila Moraes, irmã de Jomar Moraes, integrante do Conselho Curador da Fundação, e amigo de Sarney. Palavras dela:
- A empresa é de um amigo meu, mas nunca funcionou aqui. Eu só emprestei o endereço.
A MC Consultoria Empresarial ficou com R$ 40 mil do dinheiro do projeto. A empresa pertencia a um velho contador e advogado da família Sarney, Marco Aurélio Bastos Cavalcanti, que trabalhava para a TV Mirante. Na prestação de contas do projeto, conforme o jornal, um restaurante localizado na mesma rua da Fundação forneceu 3 mil refeições. Faturou R$ 15 mil.
Uma empresa de comércio de roupas, a Sousa Première, localizada em elegante residência de praia, ministrou curso de "capacitação de história da arte" para 80 pessoas, pelo qual teria cobrado e recebido R$ 12 mil. E a SGC Leite, de Sidney Gonçalves Costa Leite, um dos diretores da Fundação, levou outros R$ 6.500. Da mesma forma, foi incumbida de dar curso a funcionários. A firma estava registrada como reparadora e mantenedora de computadores.
De Lula:
- No Brasil, dependendo da carga de manchetes da imprensa, a pessoa já está condenada. Depois, não adianta ser absolvida, porque não valeu nada aquilo, a pessoa já está condenada.
Filha de Fernando Sarney e Tereza Murad Sarney, Ana Clara desempenhava papel de advogada da Fundação José Sarney. Em escuta feita pela Polícia Federal, com autorização da Justiça, Ana Clara conversa com o avô, em 27 de fevereiro de 2008. José Sarney informa a neta que um empresário iria telefonar. O senador quer que Ana Clara consiga dinheiro para a Fundação:
- Olha, vai te ligar o Richard Klien, que também quer nos ajudar, tá?
No diálogo, Sarney explica como quer que a neta conduza a conversa:
- Então, conversa com ele e diz como é a Fundação e tudo. Diz que nós estamos querendo reconstruir a igreja, que estamos em dificuldades, etc e tal.
O líder maranhense insiste:
- E diz para ele... Mas não põe ele só na igreja, não. Diz que nós precisamos para a manutenção do convento. Que tem que pagar INSS. Toda essa coisa. Vê quanto ele quer nos ajudar aí.
Richard Klien, empresário do setor de transportes portuários, era sócio do banqueiro Daniel Dantas na empresa Santos Brasil. Atuava no ramo de contêineres no porto de Santos (SP). Reportagem da Folha de S.Paulo revelou que Richard Klein doou R$ 270 mil para a campanha de José Sarney, e outros R$ 240 mil para a de Roseana Sarney, em 2006.
Alguns dias depois da conversa entre Sarney e a neta, Richard Klien telefonou e acertou tudo com Ana Clara. O empresário disse à moça que iria "cortar a linguiça em pedaços", ou seja, mandaria o dinheiro em parcelas:
- Vou viajar semana que vem talvez, e tava querendo deixar a primeira remessa pronta. Vou te mandar entre 70 e 100 mil.
De Lula, ao defender que a imprensa "não pode é vender tudo como se fosse um crime de pena de morte":
- Ou seja, uma coisa é matar, outra coisa é você roubar, outra coisa é você pedir um emprego, outra coisa é relação de influências, outra coisa é o lobby.
Ao lado da Fundação José Sarney, na capital maranhense, fica a sede da Abom (Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês), entidade controlada pela família Sarney, cuja finalidade está gravada nos estatutos: ajudar crianças carentes. Nos dois mandatos de Lula, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Eletrobrás injetaram ao menos R$ 3 milhões na Abom. Mesmo inadimplente, a entidade receberia recursos públicos.
De Lula, ao condenar "um crime antecipado":
- O que nós precisamos é não estabelecer a morte precoce. O que nós precisamos é estabelecer um processo de investigação, de julgamento e aí, sim, a pessoa será absolvida ou condenada em função da qualidade da investigação.
A Eletrobrás, sob o comando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão (PMDB-MA), repassou R$ 400 mil para a Abom realizar o "Canto de Luz", uma festa de Natal, em 2008. Do total, R$ 83 mil foram para a Sacada Eventos e Produções, empresa de Marizinha Raposo, que teve cargo de assessora parlamentar no gabinete da senadora Roseana Sarney. Outros R$ 11 mil foram para a produtora de vídeo Farol Digital, que funcionava no mesmo endereço da Sacada Eventos e Produções. E R$ 32 mil rechearam a conta bancária da Rádio Mirante, empresa da família Sarney.
De Lula, ao dizer que há "denúncias que, investigadas, são verdadeiras":
- Mas tem denúncias que não deram em nada e as pessoas já estão condenadas antes. É isso que eu quero evitar.
A revista Veja publicou que auditores do Banco Central encontraram em computadores apreendidos no falido Banco Santos, de Edemar Cid Ferreira, uma contabilidade clandestina mostrando evidências de que José Sarney, amigo do banqueiro, teria sido dono de uma conta bancária secreta no exterior, registrada como "JS-2". Em 30 de outubro de 1999, segundo a revista, os depósitos conteriam US$ 870.564, equivalentes, dez anos depois, a R$ 1,7 milhão. Sarney não registrou qualquer dinheiro no exterior no período. Sabe-se que, um dia antes da intervenção do Banco Central no Banco Santos, em 2004, Sarney teria conseguido retirar R$ 2,2 milhões aplicados na instituição.
De Lula:
- O que eu não posso entender é que toda pessoa que tenha uma denúncia contra ela tenha de renunciar ao cargo.
A Fundação José Sarney fez uma exposição de arte sobre o Descobrimento do Brasil em 2001, organizada por empresa ligada ao banqueiro Edemar Cid Ferreira. Como registrou a Folha de S.Paulo, opositores da então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, acusaram-na de gastar R$ 4,3 milhões para reformar instalações da Fundação para o evento. Depois, ela teria destinado mais R$ 1 milhão para prorrogar a mostra, um "sucesso de público".
De Lula:
- Muitas vezes, as pessoas são condenadas antes de se provar que cometeram crimes e é preciso investigar tudo.
O Convento das Mercês, sede da Fundação José Sarney, um prédio histórico de 1654, pertencia ao patrimônio do Governo do Maranhão. Em 1990, foi doado à Fundação, para se transformar no museu de Sarney. Para fazer a exposição de Edemar Cid Ferreira, a governadora Roseana alugou o prédio por R$ 600 mil. Injetou dinheiro do Estado do Maranhão na Fundação do pai.
Do deputado Ricardo Berzoini (SP), presidente nacional do PT:
- O PT defende a permanência de Sarney à frente da Casa e em hipótese alguma trabalhará pelo afastamento. Pedir isso é o mesmo que propor golpe.
Em 15 de julho de 2009 Fernando Sarney, o filho mais velho de José Sarney, foi indiciado pela Polícia Federal por formação de quadrilha, gestão de instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A Operação Boi Barrica investigou transações financeiras suspeitas nas eleições de 2006 e evasão de divisas e corrupção em setores do Governo Federal sob influência de José Sarney. Fernando Sarney chegou a ter a prisão preventiva solicitada pela Polícia Federal. Não foi preso.
Tereza Murad Sarney, mulher de Fernando, sócia de empresas supostamente envolvidas no esquema, também seria indiciada. O Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, do Ministério da Fazenda) detectou dois saques suspeitos de R$ 1 milhão cada, perto das eleições de 2006, nas quais Roseana Sarney disputou o governo do Maranhão. Ana Clara, filha de Fernando e Tereza Murad, neta de Sarney, foi incluída entre os investigados.
Além das movimentações da Marafolia Promoções e Eventos, mantida em nome de supostos laranjas, e da São Luís Factoring e Fomento Mercantil, a Operação Boi Barrica teria identificado transações do Governo Federal com empresas desconhecidas, ligadas à construção civil e ao setor de energia. Fernando Sarney estaria por trás da organização criminosa. Ele usaria a influência do pai no Ministério de Minas Energia e em empresas estatais. A São Luís Factoring e Fomento Mercantil, com apenas uma funcionária e sem sede própria, movimentara R$ 11,6 milhões em 2006.
Braço do esquema atuaria na Valec, empresa estatal do Ministério dos Transportes, encarregada da construção da ferrovia Norte-Sul. O diretor de Engenharia da Valec, Ulisses Assad, foi colega de Fernando Sarney na Poli (Escola Politécnica, da Universidade de São Paulo). Outros colegas da Poli estavam entre os denunciados: Astrogildo Quental, diretor da Eletrobrás, Gianfranco Vitório Artur Perasso e Flávio Barbosa Lima, apontados como testas-de-ferro. Teriam recebido R$ 160 mil de propina, uma compensação por intermediação de Fernando Sarney. Silas Rondeau, ex-ministro das Minas e Energia, também faria parte do grupo.
A Polícia Federal anunciou ter rastreado remessa de Fernando Sarney, no valor de US$ 1 milhão, para conta bancária do Hong Kong and Shanghai Banking, de Qindao, na China. Existiriam contas suspeitas em bancos nas Bahamas e nas Ilhas Verdes do Caribe, paraísos fiscais. Em conversa gravada, Fernando Sarney faria referência a "dois americanos", ou seja, US$ 2 milhões.
As investigações sobre a transferência de dinheiro à China levaram os federais a ir atrás da antiga parceria entre Fernando Sarney e Paulo Delfino Fonseca Guimarães, o "PG". Na década de 90, uma casa de bingo supostamente dele, o Poupa Ganha, assumiu papel destacado num escândalo. PG sofreu acusação de lesar clientes, lavar dinheiro e sonegar impostos.
José Sarney foi padrinho de PG, cujo nome ecoou na CPI do Narcotráfico. Em Codó (MA), uma emissora de televisão recebeu registro em nome de Tereza Murad Sarney e da mãe de PG. Agora, o diálogo gravado pela Polícia Federal entre PG e Ana Clara, filha de Fernando Sarney e Tereza Murad. Começa com referência dele, provavelmente, ao Banco Rural. Quando ela diz "n", estaria querendo dizer "número telefônico":
- Você quer receber aí no Rural na próxima semana ou junto aqui e até a próxima semana pega aqui tudo de uma vez, você escolhe.
- Como seria essa entrega aqui? Quem pegaria? Como seria feito?
- Duas carradas de leite Ninho e duas de Pergalon preços da Nestlé com nota fiscal do distribuidor do Piauí, você arranja quem pega aí.
- Me liga de um bom n.
Do inquérito da Polícia Federal: "Desponta aí a prática de diversos crimes danosos aos cofres públicos, como advocacia administrativa, tráfico de influência, fraude a licitação, falsidade ideológica, falsidade documental, bem como os já aventados crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e, possivelmente, (...) crimes contra a ordem tributária".
De Ricardo Berzoini, presidente do PT:
- É preciso de maturidade e lembrar que Sarney foi eleito.
A Polícia Federal abriu inquérito para apurar a ampliação do aeroporto de Macapá, menina dos olhos de José Sarney, na capital do Amapá. As obras foram objeto de pedido pessoal de Sarney ao presidente Lula, ainda no primeiro mandato da administração federal do PT. O TCU (Tribunal de Contas da União) determinou a paralisação dos serviços em 2006, após detectar supostas irregularidades no contrato e na sua execução. Haveria um sobrepreço de R$ 17 milhões. As obras vinham sendo tocadas pelo consórcio formado pelas construtoras Beter e Gautama, do empresário Zuleido Veras.
De Lula:
- O Senado tem que ter maioridade para resolver o seu problema. O que não pode é deixar a coisa esticar, esticar, porque, a cada dia, se você vê uma novidade, por menor que ela seja no jornal, cria desgaste na instituição.
O TCU também investigou o programa federal Luz para Todos no Maranhão. O sindicato dos funcionários da Cemar (Companhia Energética do Maranhão) reclamou que 50 mil das 103 mil ligações de energia elétrica previstas para 2005 e 2006 não teriam sido feitas. O contrato entre o Governo do Maranhão e a Cemar foi celebrado em 2004, no período em que Silas Rondeau, um forte aliado do clã Sarney, ainda presidia a Eletrobrás. Ficara estabelecida a aplicação de quase R$ 800 milhões.
Técnicos do TCU constataram 13 mil ligações a menos. Duas curiosidades do Luz para Todos, no Maranhão: a Cemar alegou ter eletrificado 1.578 casas a mais que o estipulado, mas, ao mesmo tempo, registrou a instalação de 77 mil postes a menos do que o necessário. No relatório do sindicato, consta que apenas um fiscal da estatal maranhense vistoriou, em 15 dias, os serviços executados em 2.376 casas, situadas em 12 municípios. Se fosse verdade teria de ter percorrido 158 casas por dia, sem contar o tempo das viagens, o que daria em média quase sete casas por hora, 24 horas por dia, durante 15 dias.
De Lula:
- Os senadores têm que dizer o que querem para o Senado. O que não é possível é que as pessoas permitam que a instituição vá sofrendo desgaste, desgaste, porque isso mata as pessoas e mata a instituição.
Nos arredores de Brasília, um caso inusitado: na década de 80, José Sarney teria comprado área de 540 hectares, que ficou conhecida como sítio São José do Pericumã. Em 2002, o senador vendeu as terras para a Divitex Pericumã Empreendimentos Imobiliários, que tinha planos de construir um condomínio de luxo no local. Só que 318 hectares jamais foram registrados em nome de Sarney. Assim, ele teria evitado o pagamento de impostos sobre a propriedade.
A história é enrolada: 33 hectares da área, por exemplo, estavam em nome de um ex-funcionário do Senado, Wanderley Ferreira de Azevedo, ligado a Sarney. Ele os teria adquirido em 2001, mas a propriedade estava em nome de um homem morto cinco anos antes. Sarney, por sua vez, comprara o pedaço de terra, mas não o registrara em seu nome. Mesmo assim o vendeu. Parte da área era suspeita de ter sido obtida por meio de grilagem de terras públicas.
Em resumo: Sarney passou para frente os 540 hectares sem possuir o registro total da área. Vendeu para a Divitex, e ainda ficou dono de pelo menos 10% das ações da empresa. O empresário Jeovane de Morais, dono de motéis em Brasília, o senador Eliseu Resende (DEM-MG) e o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o "Kakay", amigo de José Dirceu e defensor de Sarney eram sócios da Divitex. Para tentar legalizar a área, a Divitex moveria ação judicial por usucapião. Em tempo: a venda do "sítio" São José do Pericumã serviu para Sarney justificar os R$ 2,2 milhões sacados do Banco Santos em 2004, na véspera da intervenção do Banco Central.
De Lula, após reiterar o apoio a Sarney e pedir à bancada de senadores petistas que evitasse fazer comentários públicos sobre o maranhense:
- Tudo o que eu espero é que o Congresso, agora com a cabeça fria, depois de dez dias de férias para todo mundo, em que cada um foi viajar, descansar, converse. Que se reúnam, como os homens adultos que são, todos com mais de 35 anos de idade, e decidam normalizar a situação do Senado.
Seis diálogos telefônicos gravados pela Polícia Federal, com autorização judicial, mostraram a participação do senador José Sarney na nomeação de um protegido da família, por meio de ato secreto. As conversas vão de 30 de março a 2 de abril de 2008. A série de diálogos começa com Maria Beatriz Sarney, a "Bia", neta de José Sarney, conversando com o pai, Fernando Sarney. A moça refere-se ao irmão por parte de mãe, Bernardo Brandão Cavalcanti Gomes, que se desligara do Senado após seis anos de "trabalho":
- Hein?, pai?, deixa eu perguntar uma coisa. Meu irmão saiu do Senado, né? Vai sair a exoneração amanhã. Ele arranjou um emprego melhor. Até ganha menos, mas pra carreira dele é melhor. Aí ele resolveu sair, né? Aí você acha que dá pro Henrique entrar na vaga dele ou não?
Henrique Dias Bernardes, no caso, era o namorado de Bia. Fernando Sarney:
- Podemos trabalhar isso, sim.
No dia seguinte, Fernando Sarney relata à filha o que já havia acontecido:
- Já falei com o Agaciel. Peça ao Bernardo pra procurar o Agaciel.
Fernando Sarney conta à filha como abordou o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia, para "segurar" a vaga que seria preenchida pelo namorado:
- "Vou pedir pro Bernardo te procurar, o Bernardo vai sair, mas você não põe ninguém até nós dois conversarmos".
Em outra ligação, Bia conta ao pai que o avô, José Sarney, não gostou de ter recebido o currículo do namorado dela:
- Aí ele falou assim: "Ah, você tinha que ter falado antes pra eu já agilizar, não sei o quê..." Aí eu falei: "Não, vô, eu falei com papai, e agora eu já tô te dando o papel, mas não sei, se der, tal, pra colocar ele no mesmo lugar de onde o Bernardo saiu".
Agora, o diálogo entre Fernando Sarney e Aluísio Guimarães Mendes Filho, ajudante de ordem de José Sarney. Fernando menciona a segunda vez que seu pai foi presidente do Senado, em 2003, no começo do governo Lula:
- O irmão da Bia, quando papai era presidente do Senado, eu arrumei emprego pra ele lá. Ele agora tá saindo e eu liguei pro Agaciel pra ver a possibilidade de botar o namorado da Bia lá. Porque me ajuda, viu? É uma forma e tal de dar uma força pra mim. E o irmão tá saindo, é uma vaga que podia ser nossa.
- Lógico.
- Então, era uma ligação de papai pro Agaciel.
- Só pra firmar esse negócio, né?
- É. Papai já tá sabendo. A Bia falou com ele ontem.
- Então tá joia. Eu vou falar com seu pai hoje pra ele dar uma ligada pro Agaciel.
Enfim, Fernando Sarney e José Sarney selam a jogada. O filho diz ao pai que o diretor-geral dispunha de currículos de Bernardo e do namorado de Bia:
- Eu já falei com o Agaciel.
- Já falou com o Agaciel?
- Eu falei, falei.
- Tá.
- Pedi pro Agaciel segurar com ele. Agaciel tá com os dois currículos na mão dele, tá com tudo lá.
- Tá bom. Eu vou falar com ele.
E, 16 dias depois, Henrique Dias Bernardes estava empregado. Contratado como assessor parlamentar, passou a receber R$ 2.700, fora os benefícios do cargo. Com a divulgação das gravações, Sarney explicou aos senadores:
- Não há ninguém nesta Casa que negue o pedido de uma neta.
De Lula:
- Eu não quero para mim, eu não quero para o presidente Sarney, eu não quero para você e para nenhum brasileiro o julgamento precipitado, sem que haja as investigações corretas.
O Ministério Público do Maranhão rejeitou as prestações de contas da Fundação José Sarney dos anos de 2004 a 2007. Decidiu intervir na entidade. Entre outras irregularidades detectou que R$ 975 mil repassados pela Petrobras para recuperar o acervo do museu e outros R$ 500 mil, doados pela Fundação Filantrópica Safra, viraram, indevidamente, aplicações financeiras.
Mais R$ 960 mil, oriundos da Secretaria de Cultura do Maranhão, foram desviados para aplicações em "despesas administrativas". A Quintec, por exemplo, ficou com R$ 48 mil. O endereço da empresa é o mesmo da vice-presidente da Abom (Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês), Maria Martins Pereira. A Abom teria engolido R$ 198 mil em "despesas de manutenção", numa triangulação irregular com a Fundação.
Já o Ministério da Cultura apontou problemas nas contas do Instituto Mirante, presidido por Fernando Sarney, que pôs as mãos em R$ 150 mil captados da Eletrobrás para financiar apresentações de corais de Natal, em 2006. Um terço do dinheiro teria morrido em contas bancárias da TV Mirante, Rádio Mirante e jornal O Estado do Maranhão, pertencentes ao clã Sarney, e na própria Abom, para "ensaios e apresentações". Depois, posando-se de vítima, Sarney anunciaria o fechamento da Fundação.
De Lula:
- Sarney está sendo acusado de muitas coisas, de atos secretos, de contratação de pessoas, e dá a impressão de que é apenas o presidente Sarney, de que é uma coisa que começou ontem.
A MC Consultoria, já citada no caso da suspeita de desvios de repasse da Petrobras para a Fundação José Sarney, manteria ligações com três empresas investigadas pela Operação Boi Barrica. As empreiteiras Lupama, Planor e Proplan, de propriedade de Gianfranco Vitório Artur Perasso e Flávio Barbosa Lima, também mencionados anteriormente, foram acusadas pela Polícia Federal de fazer parte de esquema de desvios de recursos públicos comandado por Fernando Sarney. A Proplan apareceu como suspeita de desviar R$ 2,6 milhões de uma obra para despoluir a lagoa de Jansen, em São Luís.
Fernando Sarney manteria "contatos promíscuos" com Ulisses Assad, diretor da estatal Valec, encarregada de construir a ferrovia Norte-Sul. Sem estrutura para executar obras, a Lupama assumira contrato de R$ 46 milhões para fazer trecho da ferrovia. Investigado por suspeita de superfaturamento e desvio de dinheiro da obra da ferrovia, Ulisses Assad seria afastado da Valec. Ele usaria o cargo para favorecer empreiteiras vinculadas ao clã Sarney. O TCU (Tribunal de Contas da União) apontou superfaturamento de mais de R$ 500 milhões na obra.
De Gilberto Carvalho (PT-SP), chefe de gabinete de Lula:
- Sarney não pode ser o bode expiatório de todos os erros do Senado.
A Fundação José Sarney recebeu de empresa ligada ao ex-senador Gilberto Miranda, amigo de José Sarney, um repasse suspeito de R$ 300 mil. A doação foi feita pela KKW, que representava duas offshorescom sedes na Inglaterra e no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. O dinheiro ficou registrado como o maior aporte de recursos na Fundação durante o ano de 2007.
Gilberto Miranda admitiu aos repórteres Hudson Corrêa e Alan Gripp, da Folha de S. Paulo, que a KKW pertencia às filhas dele, Juliana e Marcela Scarpa. Como se sabe, offshores costumam servir para guardar e repatriar dinheiro ilegal do exterior. Em 2008, a KKW obteve autorização do Ministério de Minas e Energia, área de influência de Sarney, para explorar jazidas minerais de bauxita e manganês em Mato Grosso e no Maranhão.
De Lula:
- Não vejo crise, só divergência no Senado.
A revista Veja relatou que a Petrobras descobriu possíveis mananciais de gás natural na região de Santo Amaro, interior do Maranhão. Houve uma correria pelas terras promissoras. Suspeitava-se de grilagem e estelionato. Teriam ocorrido discrepâncias entre documentos em posse da Adpart, empresa da qual Sarney seria sócio, e certidões de imóveis da área supostamente contemplada com as reservas de gás. Da tabeliã de Santo Amaro, Elke Viviane:
- O pessoal do Sarney trouxe a certidão de compras das terras. Não posso falar mais nada.
De Lula, ao pedir cautela às ações do PT e mandar recado aos senadores "rebeldes" contrários a Sarney, segundo o qual eles não precisariam chamá-lo para o palanque em 2010:
- Se o PT não quer ajudar, pelo menos que não atrapalhe.
José Sarney recebia em meados de 2009 mais que o dobro permitido pela Constituição, que fixou como teto salarial os ganhos de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), ou seja, R$ 24.500, na época. Sarney recebia o chamado "salário duplex": remuneração de senador, de R$ 16.500, acrescida de pelo menos mais R$ 35.560, de duas aposentadorias acumuladas no Maranhão. Total de R$ 52.060. Sarney se recusou a comentar o assunto.
De Lula, ao reforçar ações para manter Sarney na presidência do Senado:
- Se a gente for colocar em uma balança as coisas boas e as coisas más que foram acontecendo no Congresso, as coisas boas são infinitamente superiores. Mas, muitas vezes, as coisas boas não têm o destaque que a gente gostaria que tivesse.
Uma empreiteira comprou dois apartamentos usados pela família de José Sarney em São Paulo. A notícia foi publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em agosto de 2009. A reportagem de Rodrigo Rangel revelou que a Aracati Construções, Assessoria e Consultoria adquiriu os imóveis no edifício Solar de Vila América, nos Jardins, bairro de alto padrão da capital paulista, onde Sarney já dispunha de um imóvel. O proprietário da empresa, Rogério Frota de Araújo, manteria relacionamento próximo com os filhos do senador Fernando Sarney e o deputado José Sarney Filho (PV-MA).
A Aracati, que mudaria a razão social para Holdenn Construções, Assessoria e Consultoria, tinha negócios no setor elétrico, justamente a área de influência de Sarney no governo Lula. A empresa atuaria na construção de usinas termoelétricas. Rogério Frota Neto esteve em Cachoeiro do Itapemirim (ES) em 2008. Queria ser contratado para fazer uma usina termoelétrica na cidade. Palavras do prefeito Roberto Valadão (PMDB), sobre a visita do empresário:
- Ele disse que é muito amigo do Sarney.
Voltemos ao edifício Solar de Vila América: o dono do apartamento 22, Felipe Jacques Gauer, foi procurado por José Adriano Cordeiro Sarney, neto de Sarney, em 2006. O filho mais velho de José Sarney Filho mostrou-se interessado em comprar o apartamento. Do proprietário do imóvel:
- Ele me fez algumas perguntas e disse que uma pessoa dessa empresa, a Aracati, iria me procurar para acertar a compra do apartamento.
Dias depois, Felipe Jacques Gauer recebeu a visita de Maria Rosane Frota Cabral, irmã de Rogério Frota Neto. Do antigo dono do apartamento 22:
- Direta ou indiretamente, estava evidente que essa empresa tinha alguma relação com a família Sarney. Para mim ficou claro que estavam comprando o apartamento em nome da empresa para não chamar a atenção.
O negócio: Maria Rosane Frota Cabral marcou encontro no saguão do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, e levou consigo a escritura pronta e um escrevente de Sorocaba (SP). A transação foi assinada ali mesmo.
O segundo apartamento comprado pela Aracati, o de número 32, pertencia ao casal Liza Heilman e Sidney Wajsbrot, abordado pelo zelador do prédio:
- Ele me disse que o senador Sarney estava procurando um apartamento, que ele já tinha dois apartamentos no prédio e queria um terceiro para um assessor.
O proprietário do imóvel foi contatado por Rogério Frota de Araújo. Mais uma vez a irmã dele, Maria Rosane Frota Cabral, marcou o negócio no aeroporto. Da mesma forma trouxe o escrevente de Sorocaba e cheque nominal. Sarney e seus filhos não apareciam como donos do apartamento.
Do ministro das Relações Institucionais, José Múcio (PTB-PE), ao comentar o apoio de Lula a José Sarney:
- Ninguém foi mais solidário, até pela amizade que tem.
Do líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante (SP), afastando a possibilidade de cassação de Sarney:
- O mandato que tenho da bancada é com o pedido de licença temporária como ato de grandeza de Sarney. Não tenho mais nada além disso.
Em discurso no Senado, Sarney, desequilibrado, acusou O Estado de S. Paulo de mover "campanha sistemática" contra ele, "adotando uma prática nazista". Em trecho do pronunciamento afirmou que os senadores não devem explicações "sobre compra de qualquer coisa que usem na vida". De Sarney:
- Deus, eu devo dar explicações sobre compra ou uso de qualquer coisa que eu use na vida aqui para o Senado?
Sarney não esclareceu a relação com a empreiteira que comprou os imóveis.
Em 5 de agosto de 2009, o presidente do Conselho de Ética do Senado, Paulo Duque (PMDB-RJ), arquivou quatro pedidos de investigação contra Sarney, por quebra de decoro parlamentar. Dois dias depois enterrou as outras sete denúncias que restavam. Todas tratavam das irregularidades atribuídas a Sarney, relatadas aqui. Livrou-o do risco de ter o mandato cassado. Comentário do senador Pedro Simon (PMDB-RS), para quem Sarney procedeu da forma como Lula achou que deveria:
- A vitória foi de Sarney? A vitória foi de Renan? A vitória foi dos combatentes? Não! A vitória foi de Lula.
O arquivamento dos processos poderia ser revertido pelo plenário do Conselho de Ética, mas Lula sabia disso e manteve a carga:
- O que você não pode é transformar a denúncia em única razão de ser de 81 homens que têm responsabilidade de representar um Estado e uma Nação.
E Lula voltou a acusar "o oba-oba do denuncismo":
- O que não dá é que as pessoas achem que você pode trocar um presidente da instituição todo dia. Aí ninguém tem estabilidade.
Decisão dos 15 senadores do Conselho de Ética, pelo placar de nove a seis, manteve os processos arquivados. Os votos dos três senadores petistas foram decisivos para a absolvição de Sarney. Todos, Ideli Salvatti (SC), Delcídio Amaral (MS) e João Pedro (AM) votaram a favor do líder maranhense. O senador Flávio Arns (PT-PR) anunciou que se desligaria do partido:
- O PT jogou a ética no lixo, vai ter que achar outra bandeira. O partido deu as costas para a sociedade, ao povo e às bandeiras tão caras para tantas pessoas. Posso dizer que tenho vergonha de estar no PT.
Pedido para reavaliar a decisão do Conselho de Ética foi protocolado. Mas a vice-presidente do Senado, Serys Slhessarenko (PT-MT), o sepultou.
Lula comemorou:
- Uma oposição, quando não tem argumento para fazer oposição, é pior do que doença que não tem cura.
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