Omais famoso médico da televisão, o controvertido Dr. House, costuma afirmar enquanto faz pesquisas diagnósticas mirabolantes e atormenta seus colegas e subordinados: “todos mentem”. Uma afirmação um tanto cínica, mas difícil de refutar, pois todos temos algo a esconder, seja lá o que for e, às vezes, uma mentirinha é o único recurso disponível. O Dr. House nunca disse que isso se aplica apenas aos pacientes.
Se o aforismo House sobre a mentira vale para os personagens da série na TV, o que diríamos então dos políticos? Nesse caso, muitas vezes, mentir é uma questão de sobrevivência. Infelizmente, um político que fosse inteira e ilimitadamente sincero não sobreviveria à primeira candidatura. Políticos deveriam ter uma razoável sinceridade de propósitos, mas isso não inclui falar na lata as coisas mais desagradáveis. Ficamos, assim, numa situação complicada: precisamos de políticos que sejam tão sinceros quanto possível sem se suicidarem.
Max Weber dizia, no seu famoso ensaio sobre a Política como vocação, que quem preza acima de tudo a salvação da alma deve evitar a política, porque esta leva, inevitavelmente, a uma convivência com demônios. Ortega Y Gasset aborda algo semelhante quando descreve os arquétipos do puro homem de ação e do homem de pensamento, no seu ensaio “Mirabeau ou o político”. Seja ao modo severo do sociólogo alemão ou ao estilo pitoresco do filósofo espanhol, aprendemos sobre as exigências e tensões intelectuais, éticas e humanas que a política oferece aos seus atores. A leitura da realidade feita pelo homem político (ou mulher, naturalmente) não é a mesma, necessariamente, daquela que o homem comum do povo, a maioria de nós, enxerga. Isso vale para o bem e para o mal.
Não sejamos, portanto, ingênuos a ponto de achar que um homem público pode ser transparente como água de bica. Até porque ninguém é. Mas há uma diferença entre o absoluto desnudamento da alma e a negação maliciosa da verdade, a farsa, a burla e outros artifícios para enganar. De que serve e para que serve alguém se propor a liderar, mas não dizer para onde ou, pior, declarar um caminho e seguir outro?
Um tema que, para surpresa de muitos, se tornou central nas eleições correntes é a questão do aborto. Mais precisamente, o apoio dado de forma ampla, geral e irrestrita, por todo o PT, com raras e punidas exceções, à liberação geral da interrupção da gravidez, em qualquer tempo e em qualquer época, com motivo ou sem motivo. Faz parte dos documentos do partido; está nos projetos de lei apresentados e apoiados pelo partido; há filmes na internet com as declarações anteriores da atual candidata; consta do Plano Nacional deDireitos Humanos III elaborado pelo governo a partir da Casa Civil em que pontificava Dilma Russef. Segundo ela, porém, dizer que apóia a legislação pró-aborto é calúnia. Verdade que quando o tal PNDH III “pegou mal”, não só por isso como por muitas outras idéias igualmente infelizes, ele foi recolhido para baixar a poeira e Dilma, seguindo o estilo do seu amo e senhor, disse que assinara, mas não lera.
Quando, logo ao início da campanha, o Deputado Índio da Costa afirmou que PT e FARC mantinham evidentes relacionamentos, a candidata e todo o seu partido reagiram como donzelas pudicas ao serem acusadas de licenciosidades. Declararam tratar-se de outra calúnia e ameaçaram processar a todos os que repetissem isso. Não bastassem os documentos e atas do Foro de São Paulo; não bastasse o desembaraço com que vários membros das FARC já circularam pelo Brasil; não bastasse em 2002, em plena prefeitura do Dr Palocci, secretários seus terem criado um “Comitê de Solidariedade ao Povo Colombiano e aos Movimentos de Libertação Nacional” (JT 10 e 12/03/2002); a própria Dona Dilma ajeitou no Ministério da Pesca a esposa de Olivério Medina, uma espécie de Relações Públicas das FARC no Brasil, aqui abrigado e protegido da justiça colombiana com status de refugiado concedido pelo atual governo.
Naturalmente tudo isso é calúnia. A cadeia de escândalos em torno do mensalão, as compras milionárias de dossiês, as reuniões com a chefe da Receita para aliviar Sarney, a invasão de sigilos fiscais e bancários de adversários e familiares, as intimidações aos humoristas e à imprensa etc, etc. Lula nunca soube de nada e Dilma, então, só se ocupava do PAC I e II por enquanto. Nunca antes neste país governantes souberam tão pouco sobre tanto, se me permitem parodiar Churchill.
O fato é que foi montada uma máquina de propaganda de dimensões jamais vistas e que pretende ser a dona da verdade. Seja com dinheiro público, seja por critérios de alocação publicitária, por patrocínios em geral, por gratificações e intimidações, pela produção orquestrada de estatísticas e de versões a serviço do poder, o partido hoje dominante não admite que alguém mais queira fazer a cabeça dos brasileiros ou de parte deles com versões fora do script. Daí o tamanho da irritação quando uma parcela remanescente de imprensa independente se atreve a veicular críticas ou o que se convencionou chamar de jornalismo investigativo. Qualquer escândalo, por mais documentado que seja, é logo objeto de uma cadeia de manobras diversionistas. Falar abertamente do assunto e cobrar conseqüências é considerado sinônimo de golpismo. O “chefe”, enquanto a conversa está quente, se sente traído, quando fica morna não sabe de nada e, finalmente, quando já esfriou diz que é apenas intriga de gente maldosa.
No que se refere ao desagrado religioso com as posturas da Dona Dilma, ela já está buscando, rapidamente, a terceira fase. Tornou-se, milagrosamente, devota de Nossa Senhora, o que prova a maldade dos seus detratores. Já o núcleo de corrupção e nepotismo denunciado na Casa Civil ainda balança entre o total desconhecimento por parte da ex-ministra e uma possível traição à sua confiança. Vai depender dos desdobramentos do caso. Se ganhar um pouquinho mais de notoriedade na imprensa, será preciso queimar etapas e reforçar logo a tese da mentira eleitoreira.
Infelizmente, o que assistimos nos últimos anos, foi aquela relativa turbidez que sempre houve nos personagens da política, nuns mais noutros menos, ser promovida para novo patamar. A mentira, de uma fraqueza eventual de políticos imperfeitos ou mesmo de uma falha de caráter acentuada nos mais hipócritas, tornou-se uma arte refinada. Não há mais limite para a desfaçatez com que se procura iludir a todos. Sem perdermos tempo em referências a outros personagens circenses, é como se assistíssemos às habilidades de um mágico, fazendo aparecer e desaparecer coisas no palco, truques que todos sabemos serem falsos, mas impossíveis de denunciar. Só nos resta aplaudir a habilidade do artista.
Observando o personagem que foi criado para concorrer a estas eleições, através de cirurgias, maquiagens, banhos de loja e adestramento, falando o que não acredita e tentando acreditar no que fala, não se pode evitar uma certa compaixão. Aconteça o que acontecer, essa mulher é uma das piores vítimas da sua própria campanha para a presidência da república: está física e psicologicamente tão produzida que, provavelmente, nem ela mesma deve se reconhecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário